quinta-feira, 27 de outubro de 2022

VALE DE FRADES


Pela primeira vez na sua história, o nome desta aldeia transmontana foi várias vezes pronunciado por um primeiro ministro. Que teve dificuldade em acertar no nome, de tão incógnito que o lugar é, Valprado, Vilar de Frades, etc. Lugar de agricultores, contrabandistas e guarda fiscais enquanto a fronteira era também económica, Vale de Frades já teve perto de 800 habitantes e agora terá 70, com uma média de idade elevadíssima, pelas razões que todos conhecemos. Terra dura e clima ainda mais severo, resta-lhe o encanto bucólico de uma ruralidade certamente não desejada pelos seus naturais.

Pois até esse último trunfo, subproduto de um desenvolvimento sustentado que nunca chegou, está prestes a ser-lhe subtraído, porque teve o azar de ficar no traçado do gasoduto Celorico - Zamora.

Seguir-se-á um cortejo de indemnizações a preços irrisórios, porque irrelevante é a sua economia e o correspondente valor dos seus activos. Mas definitivos serão os estragos na magnífica paisagem do lugar, onde seculares carvalhos e freixos serão substituídos por equipamentos de apoio ao gasoduto.

Quem paga isso a Vale de Frades? Terão sequer direito a gás de cidade grátis? Duvido? Aliás já serão muito poucos os residentes que lá estarão para o queimar!

Texto editado no Público de 26.10.2022, com as reduções habituais.


Sou meio transmontano pelo meu pai que, embora não fosse da zona de Vale de Frades, se deixou encantar pelo lugar. E foi pela mão dele que comecei a calcorrear a região e travei seguros laços de amizade com as pessoas. Amizade que já leva mais do que uma geração. Fui por isso testemunha de 50 anos de abandono que levaram à irrelevância das actividades agrícolas e uma radical redução da população residente.

Nas ruas impera o silêncio dos que já lá não estão e nos campos uma paz e harmonia prestes a ser interrompida pelo camartelo do "progresso". Que teima em deixar em Vale de Frades apenas a sua face negra.


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