quarta-feira, 29 de junho de 2016

Porque (não) escrevemos?

Já lá vai um quarto de ano desde que alguns dos leitores-escritores daqui se juntaram além, meditando em porque escrevemos. Vendo o sorridente grupo que por lá passou, ficou-me uma pitada de tristeza por não rever algumas das caras conhecidas desde o encontro anterior. Outra tanta por não ficar a conhecer as novas caras. Não, não me arrependo, tinha as minhas razões, umas que são mais minhas, outra sendo estar menos leitor e ainda menos escritor por estes dias.

Então, porque não escrevemos? Permitam-me o plural de modéstia, não porque fale por um qualquer grupo, mas porque não creio que seja o único.

Desde logo motivos mais pessoais; alguma preguiça, disfarçada de "não tenho tempo", alguma modéstia ou vergonha de me expor. O que leva a alguns motivos que serão de interesse mais geral.

Existem mil comentadores. Leitores, mas também profissionais da comunicação, cidadãos dedicados à política - não raro em exclusividade real ou fingida, e políticos profissionais disfarçados de comentadores. Demasiados deles com argumentos tão mal fundados que dá dó. E lá vem o receio de ser só mais um.

A quase ditadura da indignação. Da natural indignação de quem escreve, não há mal, reconheça-se o famoso direito a ela. O que incomoda é o excesso, em especial, da leitura das cartas de leitores e dos meus parcos escritos, fica-me a sensação que textos de indignação são mais facilmente publicados. Talvez por serem mais consensuais? Eu concordo com muitas das indignações expressas de extrema a extrema do espectro político. Não concordo é com as soluções...


Quando dão soluções. A pena que é que não se participe mais com soluções. É mais difícil, claro, mas o povo tem ideias. Dias atrás, com alguns colegas no grupo do almoço, comentava-se um qualquer acontecimento da semana da política nacional. O mais habitual é o coro de vozes contra "os malandros dos políticos". Por algum motivo naquela tarde deu-nos para a construção. De quatro ou cinco colegas saíram... quatro ou cinco soluções diferentes para a mesma indignação! É naturalmente mais difícil expressar propostas construtivas. Será talvez ainda mais difícil publicar propostas construtivas, porque não haverá tantas, mas também por receio de parte dos jornais de dividirem a audiência, por parecerem sectários, ou por não disponibilizarem espaço suficiente a várias opiniões.

Uma dificuldade é a ditadura da atualidade. Esta é a semana do Brexit. Antes foi a CGD, antes as escolas privadas, alguém se lembra de refugiados? Ah! Claro, por causa do Brexit... mas quantos meninos morreram desde que um foi fotografado? Já não é atual. Portanto, se tentar parar para pensar e ter tempo de escrever algo pensado, esqueça lá isso. Não é atual.

Lembro ter lido algures que alguns jornais lamentam que alguns leitores-escritores enviem os mesmos textos para vários deles. Eu sempre enviei só para o "meu" jornal (que é o Público desde que ele existe) e penso que é uma legítima preocupação, a necessidade de ter um texto em exclusivo, com que terão de lidar. Mas a necessidade de um comportamento de um respeito pelas necessidades do outro tem de ser para os dois lados. Muito me entristece que o "meu" jornal, como presumo aconteça com todos os outros, não seja capaz da mais elementar cortesia de agradecer um texto que seja publicado. Mais a mais num tempo em que quase todos os textos serão enviados por email, um simples clique e cola de uma mensagem padrão e envia não consome assim tanto tempo. E boa educação fica sempre bem.

Se algum colega daqui algum dia vir um texto meu, agradeço se me avisar. Não sou assinante, nem é possível ver uma página por dia no online.

E a malfadada utilidade. Estes são tempos amaldiçoados pela utilidade. A escola deve ensinar coisas úteis para o mercado de trabalho. As universidade devem formar técnico produtivos, úteis. Historiadores são treta, e sociólogos, e pianistas, meu deus, o que produz um pianista? Plim... Plim... e nem moedas são a tinir. O raciocínio é tonto, primeiro porque muita coisa inútil hoje se revelou tremendamente util num futuro mais ou menos longínquo; depois, porque a vida não é para ser útil, é para ser vivida, agradável tanto quanto possível. A utilidade é um mero meio. Mesmo assim, será este meu texto útil? Cinquenta anos atrás pouco se poderia falar, hoje pode-se, mas quem é que liga, no meio do ruido? Será útil?

Pensava eu hoje sobre a (in)utilidade das coisas. Tenho mil coisas que gostaria de fazer, tão pouca energia para lhes pegar. Porque não são úteis...? Querem ver que não tarda quero é acabar com as férias mais cedo e ir trabalhar? Lia há dias que pode ser má ideia dar recompensas pelos esforços feitos, pelas crianças ou adultos - lá se vai o conceito de reforço positivo? - porque depois se pode passar a trabalhar apenas quando for útil.

Espero não ter sido inútil. Se chegou a este parágrafo, o meu obrigado, e as minhas desculpas por escrever um conto curto no espaço de um blogue. Saíram-me três meses em trinta minutos. É a minha desculpa.

Mas afinal, por quê é que eu não escrevo? Principalmente porque não começo...?

3 comentários:

  1. ´Ricardo Andre fiquei muito contente de voltar a lê-lo!!E li até ao fim!!Vivemos num mundo que só procura a utilidade e a produção desenfreada- O ser humano tem que estar sempre a produzir... Hoje, ao invés, estou toda queimada na cara, por me atrever a expôr-me ao sol sem proteçao... Estou arrependida pela falta de cuidado . Enfim...
    Sou professora de piano e pianista...( "Historiadores são treta, e sociólogos, e pianistas, meu deus, o que produz um pianista? Plim... Plim... e nem moedas são a tinir. O raciocínio é tonto, primeiro porque muita coisa inútil hoje se revelou tremendamente util num futuro mais ou menos longínquo; depois, porque a vida não é para ser útil, é para ser vivida, agradável tanto quanto possível.").
    Ricardo, escreva! Comece, simplesmente a escrever uma palavra, depois outra... e não se sinta culpado de deixar passar tanto tempo sem escrever (como eu, por exemplo)
    abraço e volte sempre :)

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  2. Palavras acertadas, num momento em que na maioria de espaços, onde vegeta a vida, estão num desacerto. Verificar tal situação, pode ser uma etapa para modificar comportamentos, se houver ânimo para isso. Um grande abraço fraternal e lusitano a todos os colaboradores deste blogue.

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  3. Como eu o compreendo! Lamento, contudo, que o impulso para a escrita nem sempre seja suficiente para o forçar. E sabe porquê? Porque é pena não usufruirmos da sua voz. Discute a utilidade dos seus textos. Discuta, também, a utilidade dos seus silêncios.
    A pluralidade é, cada vez mais, imprescindível e temos de lhe dar uso. Quando não, impõe-se o odiento pensamento correcto. E não podemos ser escravos da oportunidade (ou oportunismo?). Mas tem razão quando chama a atenção para a volatilidade dos assuntos “actuais”. Quanto a isto, nada a fazer, já o saudoso Augusto Abelaira escrevia as suas crónicas, n’O JORNAL, intituladas “Escrever na água”. Dizia ele que já nem na areia se podia escrever. A voracidade do "actual" já na altura o não permitia, quanto mais hoje. Mas, caro amigo, na areia, na água ou no vento, escreva. Não tem o direito de nos privar disso.
    Um abraço.

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