Este blogue foi criado em Janeiro de 2013, com o objectivo de reunir o maior número possível de leitores-escritores de cartas para jornais (cidadãos que enviam as suas cartas para os diferentes Espaços do Leitor). Ao visitante deste blogue, ainda não credenciado, que pretenda publicar aqui os seus textos, convidamo-lo a manifestar essa vontade em e-mail para: rodriguess.vozdagirafa@gmail.com. A resposta será rápida.
quarta-feira, 29 de junho de 2016
Porque (não) escrevemos?
Então, porque não escrevemos? Permitam-me o plural de modéstia, não porque fale por um qualquer grupo, mas porque não creio que seja o único.
Desde logo motivos mais pessoais; alguma preguiça, disfarçada de "não tenho tempo", alguma modéstia ou vergonha de me expor. O que leva a alguns motivos que serão de interesse mais geral.
Existem mil comentadores. Leitores, mas também profissionais da comunicação, cidadãos dedicados à política - não raro em exclusividade real ou fingida, e políticos profissionais disfarçados de comentadores. Demasiados deles com argumentos tão mal fundados que dá dó. E lá vem o receio de ser só mais um.
A quase ditadura da indignação. Da natural indignação de quem escreve, não há mal, reconheça-se o famoso direito a ela. O que incomoda é o excesso, em especial, da leitura das cartas de leitores e dos meus parcos escritos, fica-me a sensação que textos de indignação são mais facilmente publicados. Talvez por serem mais consensuais? Eu concordo com muitas das indignações expressas de extrema a extrema do espectro político. Não concordo é com as soluções...
Quando dão soluções. A pena que é que não se participe mais com soluções. É mais difícil, claro, mas o povo tem ideias. Dias atrás, com alguns colegas no grupo do almoço, comentava-se um qualquer acontecimento da semana da política nacional. O mais habitual é o coro de vozes contra "os malandros dos políticos". Por algum motivo naquela tarde deu-nos para a construção. De quatro ou cinco colegas saíram... quatro ou cinco soluções diferentes para a mesma indignação! É naturalmente mais difícil expressar propostas construtivas. Será talvez ainda mais difícil publicar propostas construtivas, porque não haverá tantas, mas também por receio de parte dos jornais de dividirem a audiência, por parecerem sectários, ou por não disponibilizarem espaço suficiente a várias opiniões.
Uma dificuldade é a ditadura da atualidade. Esta é a semana do Brexit. Antes foi a CGD, antes as escolas privadas, alguém se lembra de refugiados? Ah! Claro, por causa do Brexit... mas quantos meninos morreram desde que um foi fotografado? Já não é atual. Portanto, se tentar parar para pensar e ter tempo de escrever algo pensado, esqueça lá isso. Não é atual.
Lembro ter lido algures que alguns jornais lamentam que alguns leitores-escritores enviem os mesmos textos para vários deles. Eu sempre enviei só para o "meu" jornal (que é o Público desde que ele existe) e penso que é uma legítima preocupação, a necessidade de ter um texto em exclusivo, com que terão de lidar. Mas a necessidade de um comportamento de um respeito pelas necessidades do outro tem de ser para os dois lados. Muito me entristece que o "meu" jornal, como presumo aconteça com todos os outros, não seja capaz da mais elementar cortesia de agradecer um texto que seja publicado. Mais a mais num tempo em que quase todos os textos serão enviados por email, um simples clique e cola de uma mensagem padrão e envia não consome assim tanto tempo. E boa educação fica sempre bem.
Se algum colega daqui algum dia vir um texto meu, agradeço se me avisar. Não sou assinante, nem é possível ver uma página por dia no online.
E a malfadada utilidade. Estes são tempos amaldiçoados pela utilidade. A escola deve ensinar coisas úteis para o mercado de trabalho. As universidade devem formar técnico produtivos, úteis. Historiadores são treta, e sociólogos, e pianistas, meu deus, o que produz um pianista? Plim... Plim... e nem moedas são a tinir. O raciocínio é tonto, primeiro porque muita coisa inútil hoje se revelou tremendamente util num futuro mais ou menos longínquo; depois, porque a vida não é para ser útil, é para ser vivida, agradável tanto quanto possível. A utilidade é um mero meio. Mesmo assim, será este meu texto útil? Cinquenta anos atrás pouco se poderia falar, hoje pode-se, mas quem é que liga, no meio do ruido? Será útil?
Pensava eu hoje sobre a (in)utilidade das coisas. Tenho mil coisas que gostaria de fazer, tão pouca energia para lhes pegar. Porque não são úteis...? Querem ver que não tarda quero é acabar com as férias mais cedo e ir trabalhar? Lia há dias que pode ser má ideia dar recompensas pelos esforços feitos, pelas crianças ou adultos - lá se vai o conceito de reforço positivo? - porque depois se pode passar a trabalhar apenas quando for útil.
Espero não ter sido inútil. Se chegou a este parágrafo, o meu obrigado, e as minhas desculpas por escrever um conto curto no espaço de um blogue. Saíram-me três meses em trinta minutos. É a minha desculpa.
Mas afinal, por quê é que eu não escrevo? Principalmente porque não começo...?
3 comentários:
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´Ricardo Andre fiquei muito contente de voltar a lê-lo!!E li até ao fim!!Vivemos num mundo que só procura a utilidade e a produção desenfreada- O ser humano tem que estar sempre a produzir... Hoje, ao invés, estou toda queimada na cara, por me atrever a expôr-me ao sol sem proteçao... Estou arrependida pela falta de cuidado . Enfim...
ResponderEliminarSou professora de piano e pianista...( "Historiadores são treta, e sociólogos, e pianistas, meu deus, o que produz um pianista? Plim... Plim... e nem moedas são a tinir. O raciocínio é tonto, primeiro porque muita coisa inútil hoje se revelou tremendamente util num futuro mais ou menos longínquo; depois, porque a vida não é para ser útil, é para ser vivida, agradável tanto quanto possível.").
Ricardo, escreva! Comece, simplesmente a escrever uma palavra, depois outra... e não se sinta culpado de deixar passar tanto tempo sem escrever (como eu, por exemplo)
abraço e volte sempre :)
Palavras acertadas, num momento em que na maioria de espaços, onde vegeta a vida, estão num desacerto. Verificar tal situação, pode ser uma etapa para modificar comportamentos, se houver ânimo para isso. Um grande abraço fraternal e lusitano a todos os colaboradores deste blogue.
ResponderEliminarComo eu o compreendo! Lamento, contudo, que o impulso para a escrita nem sempre seja suficiente para o forçar. E sabe porquê? Porque é pena não usufruirmos da sua voz. Discute a utilidade dos seus textos. Discuta, também, a utilidade dos seus silêncios.
ResponderEliminarA pluralidade é, cada vez mais, imprescindível e temos de lhe dar uso. Quando não, impõe-se o odiento pensamento correcto. E não podemos ser escravos da oportunidade (ou oportunismo?). Mas tem razão quando chama a atenção para a volatilidade dos assuntos “actuais”. Quanto a isto, nada a fazer, já o saudoso Augusto Abelaira escrevia as suas crónicas, n’O JORNAL, intituladas “Escrever na água”. Dizia ele que já nem na areia se podia escrever. A voracidade do "actual" já na altura o não permitia, quanto mais hoje. Mas, caro amigo, na areia, na água ou no vento, escreva. Não tem o direito de nos privar disso.
Um abraço.