As flores de Calais
*Cristiane Lisita
“Construímos muros demais e pontes de menos”,
afirmava Isaac Newton. O apartheid de
hoje se configura nos muros erguidos nas fronteiras dos países desenvolvidos segregando
e aviltando os povos vizinhos subjugados a todo tipo de miséria por seus
governantes. Tem-se distanciado da
humanidade, da compaixão, em prol da pretensa defesa da soberania do Estado, e da
riqueza das nações.
O Muro de Berlim construído durante a Guerra Fria,
em 1961, dividia ao meio a referida cidade, tendo do lado ocidental o capitalismo,
sob o olhar dos Estados Unidos da América, e do lado oriental a Alemanha
socialista, sob o jugo da União Soviética. Essa barreira física se estendia
sobre 66,5 Km com grades eletrificadas, cães ferozes, mais de três centenas de
torres de controle, e guardas prontos pra matar quem ousasse chegar perto dele.
Em 1989 cai, então, a cortina de ferro que separava a Europa Ocidental e o
Bloco de Leste que refreava os movimentos migratórios a partir do Leste socialista,
cujos males chegaram às raias do intolerável pela população. A reunificação alemã no ano seguinte teria
colaborado com o fim da Guerra Fria.
Na década posterior, precisamente em 1994, os EUA
constroem um muro entre sua fronteira com o México na ânsia de deter os
imigrantes ilegais, sobretudo, no sul do país. O muro do México abrange uma
área de 1.130 km de extensão, e continua a ser reforçado, mesmo por Barack
Obama, aumentando também a vigilância a despeito de todas as críticas da
população que se viu cerceada em sua liberdade de ir e vir, bem como dos
cientistas e ambientalistas argumentando a morte de certas espécies animais.
O exemplo continuou a ser seguido. Os muros de
Melilla e de Ceuta, ensartados entre Marrocos, no noroeste da África e Espanha,
na Europa, avigoram a fronteira marítima existente, não apenas entre os
continentes, contudo, muito mais entre suas gentes. Um apartamento do mundo
desenvolvido com o mundo subdesenvolvido e pobre. São mais de 25 km a impedir a
passagem dos africanos. As duas cidades estão localizadas num ponto estratégico,
privilegiado, junto ao Estreito de Gibraltar e ao Mar Mediterrâneo, cuja possessão
é da Espanha com o apoio europeu. Vários imigrantes perderam suas vidas, em travessias
a nado, em busca de oportunidades no velho mundo. O governo fala novamente no fortalecimento
desses muros que, ainda, seriam frágeis.
Há dois anos o governo ucraniano anunciou a
construção de um muro, perto de Kharkiv, perfazendo dois mil quilômetros ao longo
da fronteira com a Rússia. Diante das dissidências ideológicas que se agigantam
entre os russos separatistas, a UE participa no alicerce dessas novas barreiras
de aço, a chamada fronteira oriental da União Europeia, com a quantia inicial
de 16.000.000 de euros. Os imigrantes fugiam pela antiga Rota dos Balcãs,
fronteira sul da Servia com Macedônia para chegar à Croácia.
Agora, com mais um sinal da crise mundial, surge a
decisão do governo britânico de construir a Grande Muralha de Calais, de quatro
metros de altura, e um quilometro de extensão, ornado de plantas e flores
minimizando o impacto visual. Um muro de betão para prevenir que os refugiados
do campo denominado ‘Selva’ alcancem o porto daquele sítio e atravessem o Canal
da Mancha aportando no Reino Unido. Por um lado, as cercas existentes no local
não se revelaram suficientes para conter o desespero de tantas centenas de indivíduos.
Por outro, surgem várias manifestações para o fechamento do campo de
refugiados.
O erguimento dos frios e acinzentados muros de
concreto serão recobertos de flores, daquela e de tantas outras Calais, a denunciar
ao mundo:- aqui jazem as derradeiras esperanças dos oprimidos, dos indigentes,
dos massacrados, dos segregados, cujo incomensurável túmulo foi alicerçado por
mãos de ferro. Cantaria em versos Cecília Meireles: “E é nisto que se
resume o sofrimento: cai a flor, — e deixa o perfume no vento!”
*Cristiane Lisita
(jornalista, escritora, jurista)
Os muros de todas as nossas desgraças colectivas
ResponderEliminarOs muros de todas as nossas desgraças colectivas tentam sempre ocultar os nossos telhados de vidro, que são autênticos borrões, espelhos das nossas pesadas consciências, manchadas por erros que nunca deveríamos ter feito, ou mesmo neles termos pensado.
Assim foi com o Muro de Berlim que desapareceu para dar lugar a novos muros de lamentações mil, aonde os nacionalismos exacerbados e os populismos instituídos vão originando ‘guerras santas’ lá para as terras da Hungria, Sérvia e Áustria, enquanto a Velha Albion está a erigir em solo francês – junto ao porto de Calais – o seu muro da vergonha.
Entretanto, nós, os ‘bons’ desta desunida Europa, olhamos para o outro lado do Atlântico, onde Trump – o mau da fita, o cowboy dos cowboys e cowvacas – quer armar ainda mais o povo do tio Sam e promete – caso venha a ser eleito presidente de todas as cowboyadas – erguer também um muro de trumpa ao longo da fronteira com o México. E tudo em nome da sua mui propalada ‘superioridade moral americana’.
José Amaral
Esses muros nos envergonham. Onde foi parar a humanidade? Erros repetidos não significam segurança para quem quer que seja. E como afirma a autora, Cristiane Lisita (devo parabeniza-la pelo texto oportuno e feliz), aí jazem as esperanças dos oprimidos.
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