O despertar da fênix
*Cristiane Lisita
A
fênix ocupa espaço no imaginário coletivo como símbolo de imortalidade e de
renascença. Uma ave de penas brilhantes, douradas e avermelhadas, descrita pelo
poeta persa sufista Farid al-Din Attar, em
A Conferência dos Pássaros, de
1177: “Quando lhe resta apenas um sopro de vida, a
fênix bate suas asas e agita suas plumas, e deste movimento produz-se um fogo
que transforma seu estado. Este fogo espalha-se rapidamente para folhagens e
madeira, que ardem agradavelmente. Breve, madeira e pássaro tornam-se brasas
vivas, e então cinzas. Porém, quando a pira foi consumida e a última centelha
se extingue, uma pequena fênix desperta do leito de cinzas.”
Muitas
vezes é preciso seguir o exemplo da fênix. Lembrar que “cada nota lamentosa que
emite é uma evidência de sua alma imaculada”, quiçá do seu passado, de glórias escarlates,
nunca esquecido. Também é uma evidência do “sopro da última trombeta” que
instiga a deixar a efemeridade das coisas, mas igualmente convida a ouvir a
agonia dos pássaros que aqui jazem ao perceber a morte da fênix. Nesse paralelo, diante da crise, que se nos
defronta, sob ventos ardis que aumentaram as labaredas da fogueira, a ave pranteia,
mas no seu alento quer reverdecer, içar suas asas depois de o berço chamejar.
É
preciso saber o quão se está disposto a se comprometer com a nova marcha política
e socioeconômica. Não ser indiferente nessa ‘Conferência’. O que dizer, por
exemplo, da construção naval, atividade
que outrora empregou mais de 26 mil trabalhadores e, quatro décadas posteriores,
reduziu esse número a mil, devido à interferência dos construtores asiáticos,
sobrando tão somente os Estaleiros Navais de Viana do Castelo, com uma intensa
perda operacional acumulada? O que dizer dos 500 mil jovens que abandonaram o
país, nos últimos anos, por falta de oportunidades de trabalho? Representam eles a menor parcela na pirâmide
social, abaixo dos 20%.
O que dizer das escolas públicas encurtadas pela
metade nos derradeiros 15 anos e de tantos outros postos de trabalhos fechados,
como o de jornalista, desde o início da segunda década do século XXI, em quase 20%?
Os campos desertificados com o incansável êxodo, nos quais os encanecidos
camponeses não veem seus filhos, hoje, em algum lugar de qualquer cidade. O país
a se endividar.
O que dizer do canto triste, “na amarga dor da morte”?
Poetizaria aquele autor: a esperança nunca tem fim. É tempo de fortalecer! Parece-me
escutar o cântico da fênix, imbuída de mirra dourada e pedaços de canela, a buscar
o seu ressurgir, demudando o dramático episódio em virtude, conhecimento, leveza.
Tal como os pássaros de Farid, sobrevoemos as sete colinas, e os sete vales,
para alcançar o ‘Monte Qaf’, e quem sabe, enfim, a ave de fogo reviva nos seus 888
anos.
*Cristiane Lisita (jornalista, escritora, advogada. Pós-PhD pela Universidade de Coimbra)
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarEstes artigos da Cristiane são autênticas lições que ajudam a voar o universo do pensamento. Obrigado pela colaboração, que nos ajuda a levantar os pés da terra.
ResponderEliminar"Porém, quando a pira foi consumida e a última centelha se extingue, uma pequena fênix desperta do leito de cinzas." Que as nossas esperanças se renovem a cada dia neste mundo ensandecido pelas crises política, social, financeira, moral e intelectual. Parabéns pelo artigo.
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