As origens do actual Dia do Estudante
A Crise Académica de 1962.
Hoje não são
muitos os que recordam as razões que identificam o dia 24 de Março com os
estudantes. Para as compreendermos temos que recuar à crise académica de 1962 e
às causas das lutas estudantis desde o início do século.
Em 1921 os
estudantes da Universidade de Coimbra estavam em luta por melhores instalações.
O espaço destinado à academia era muito reduzido, sobretudo quando comparado
com as generosas acomodações dos professores. Estes tinham no Clube dos Lentes
um símbolo do seu poder e da tradição universitária, pelo que os estudantes lhe
chamavam "Bastilha". Demonstrando um espírito de união e
solidariedade sem precedentes, os estudantes ocuparam o Clube dos Lentes no dia
25 de Novembro desse ano, marcando o seu protesto. Esse dia passou a ser
conhecido como a "Tomada da Bastilha" e os seus aniversários
comemorados como Dia do Estudante.
Foi assim até
1961. Nesse ano, como era hábito, as comemorações do 25 de Novembro reuniram em
Coimbra estudantes de todo o País. Mais de duzentos participaram num jantar,
durante o qual a frase "Queremos paz!" ecoou em protesto contra a
Guerra Colonial, inspirando um animado cortejo pela cidade. A polícia apareceu
e vários estudantes foram presos, o que suscitou uma vaga de apoio e indignação
em todo o país. A tensão era visível nas academias do Porto e de Lisboa e
marcou a inauguração da nova Reitoria na Cidade Universitária.
Foi neste clima
que, já em 1962, se realizaram vários encontros de dirigentes associativos que
deram origem a um Secretariado Nacional de Estudantes Portugueses e à
realização, em Coimbra, do primeiro Encontro Nacional de Estudantes, ignorando
a proibição que o Governo tinha decretado. Essa rebeldia foi paga pelos membros
da direcção da Associação Académica, com a instauração de processos disciplinares
e a correspondente suspensão. Os estudantes de Coimbra responderam com o luto
académico e a greve às aulas.
Em Lisboa, as
associações de estudantes pretendiam comemorar o Dia do Estudante no final de
Março. E, mesmo sem autorização do Ministério da Educação Nacional, as
comemorações iniciaram-se a 24 de Março de 1962. O regime respondeu com a sua
brutalidade habitual. A cantina foi encerrada e a Cidade Universitária invadida
pela polícia de choque, ignorando a autonomia universitária. Estudantes foram espancados
e presos, desencadeando uma reacção de repúdio que levou a que fosse decretado
o luto académico e a greve às aulas.
Marcelo Caetano
era Reitor da Universidade de Lisboa e mediou uma solução negociada para o
problema. Os estudantes voltavam às aulas, mas realizar-se-ia um segundo Dia do
Estudante nos dias 7 e 8 de Abril. Assim fizeram os estudantes mas, chegada
essa data, o Ministério voltou a proibir as comemorações. O Reitor sentiu-se
desautorizado e demitiu-se. O luto académico foi reposto e os estudantes
desceram do Campo Grande ao Ministério (então no Campo Mártires da Pátria) ao
som do grito "Autonomia!".
A agitação
continuou até ao fim desse ano lectivo, continuando a greve às aulas e
repetindo-se confrontos entre estudantes e polícia em Lisboa, Porto e Coimbra.
Em resposta, o Governo, demonstrando a sua habitual inflexibilidade, aprovou um
decreto-lei que permitia ao Ministro da Educação proceder disciplinarmente
contra os estudantes. Aplicando esses novos poderes, os dirigentes associativos
foram suspensos e inúmeros estudantes presos.
Face a estes
novos desenvolvimentos os estudantes dificilmente poderiam continuar a sua luta
nos moldes que estavam a utilizar. Ainda assim, reuniram-se no Instituto
Superior Técnico no dia 14 de Junho, onde aprovaram um resolução que enquadrava
a sua luta pela autonomia universitária e a passou a orientar também para a
autonomia associativa. Passou assim a estar em causa o Decreto-Lei n.º 40900,
aprovado pelo Governo em 1956. Este diploma só permitia a tomada de posse dos
dirigentes associativos depois de autorização do Ministério, previa a
participação de um "delegado permanente do director da escola" em
todas as reuniões associativas e dava ao Ministro o poder de substituir as
direcções eleitas por "comissões administrativas" nomeadas por ele,
suspender o seu funcionamento ou mesmo extingui-las.
Olhando a esta
distância, parece desenhar-se uma sombra de ironia sobre estes acontecimentos
por ter sido a tentativa autoritária do Governo de controlar as associações que
ajudou a que os estudantes se unissem e empreendessem uma luta pela preservação
das suas associações como um espaço de genuína democracia, embora pequeno numa
sociedade fascista e ditatorial. É também curioso encontrar nestes episódios
distantes da luta estudantil várias caras nossas conhecidas. Desde o actual
Presidente da República, Jorge Sampaio, que na altura era Secretário-Geral da
Reunião Inter Associações ao actual Reitor da Universidade de Évora, Jorge
Araújo, que pertencia à direcção da Associação de Estudantes do Instituto
Superior Técnico, que então frequentava e do qual foi expulso na sequência da
sua participação no Dia do Estudante e nos acontecimentos que se lhe seguiram.
De tudo isto
ficou a memória e a data: 24 de Março, escolhida pela Assembleia da República
quando em 1987 fixou o Dia do Estudante. E que bom que é poder assistir à
manifestação livre das reivindicações dos estudantes, quer se concorde ou não
com todas elas, num ambiente democrático de respeito pelos seus direitos, liberdades
e garantias.
(artigo
publicado no Jornal da Universidade de Évora n.º 8, Abril de 1999)
Sem comentários:
Enviar um comentário
Caro(a) leitor(a), o seu comentário é sempre muito bem-vindo, desde que o faça sem recorrer a insultos e/ou a ameaças. Não diga aos outros o que não gostaria que lhe dissessem. Faça comentários construtivos e merecedores de publicação. E não se esconda atrás do anonimato. Obrigado.
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.