De manhã se começa o dia, dizia a minha querida avó, mulher avisada,
que vestia de preto, tinha um buço pronunciado e gostava da pinga às
escondidas.
Como quem sai aos seus, aos seus sai, já enfiei dois medronhos,
para dar energia a enfrentar o dia que dá trabalho, e até chegar ao fim, é uma
peregrinação quase religiosa ao botequim do chico. Pelo menos tenho fé em ir
lá, é uma espécie de purificação do meu interior.
Agora só bebo sininhos, estou em dieta alcoólica, só pequenas
quantidades (de cada vez claro). Não se pode dizer que saia caro. Cada sininho
são 30 cêntimos. Um copo de três, cinquenta cêntimos. Apesar de alguém desavisado
poder estar em desacordo (está longe, não vê, está mal informado), sou uma
pessoa poupada: só bebo um de cada vez.
Se descontar de todos os que bebo, as ofertas, os brindes às
efemérides de cada parceiro que frequenta o botequim, e os que o Chico se
esquece de cobrar, gasto realmente muito pouco. Sou portanto no Sul, um dos homens
mais poupados(mas há quem esteja ainda mais abaixo. O Sul não acaba aqui).
Nunca fui de esbanjar dinheiro, na verdade nunca o tive. Comecei
a trabalhar bem cedo na terra, sem tempo para estudos nem letras. Depois alguém
disse que era melhor deixar de trabalhar a terra. Não valia a pena, pagavam
para ficarmos em casa. Só a partir daí é que comecei a ter algum dinheiro para
gastar.
Como nunca pude aturar um ajuntamento de mulheres - só para o
truca-truca, e mesmo assim apesar de eles acharem, está longe de ser todos os
dias - e como é em casa que elas se juntam, para ocupar o tempo livre comecei a
frequentar a tasca do chico. Entretinha-me a jogar as cartas, ao dominó e a ver
os bonecos do “Correio da Manhã”, posto que não sei ler convenientemente: o
pouco que leio, não entendo.
Ora para uma pessoa se entreter tem que consumir, o chico não
alimenta a família com ar, é do negócio da venda de bebidas espirituosas,
torresmos e sandes de bifanas em vinha-d’alhos.
Não sei o que aconteceu, mas ultimamente só se ouve falar de
nós, do medronho, do tinto e das gajas. Isto é uma aldeia pacata. O medronho e
o tinto para nós é água e não chamamos gajas às mulheres, chamamos mulheres, e
apesar de falarem até à exaustão, gostamos delas não as tratamos como gajas.
De repente vieram para aí jornalistas e televisões, a fazerem perguntas,
e sinceramente não entendo o alarido. Nós matamos a sede com prazer e gostamos
à nossa maneira das mulheres, não andamos a roubar, a mentir, nem a beber
bebidas finas com borbulhas nos salões onde eles vão todos aperaltados apalpar
as mulheres dos outros quando vão à casa de banho retocar os beiços, e depois
fazem negócios com eles, como se fossem amigos do peito.
Um dia destes ainda fecham a porta do Chico e aí quero ver como
vamos matar as horas do dia: só se for sentados à beira da estrada, a ver
ninguém passar, que aqui não vem ninguém. Para quê, se isto é um amontoado de
velhos e mulheres com bigode?
Redondo Vocábulo
www.luizrobalo.blogspot.pt
Ah, grande Luís!
ResponderEliminarSó para ter o gozo de ler este texto, quase valeu a pena contemplar o holandês. De qualquer modo, este gajo ajudou-me a perceber a razão da crise portuguesa. Veja lá que eu estava convencido da culpabilidade do sector financeiro e dos desmandos de alguns figurões. Vai-se a ver e... que ingénuo que eu sou.
Grande abraço.
Vamos mas é beber um sininho à memória do holandês, Deus o tenha.. no seu seio.
ResponderEliminarComo é possível, num contexto onde o europeu do Sul é menosprezado pelos seus comparsas do Norte, como se depreende da linguagem do presidente do Euro Grupo, haver tanta capacidade criativa num português abrangido pelo estigma. Parabéns ao Luís por tanta genialidade.
ResponderEliminarNão ė do gênio, Joaquim ė do efeito meio alucinogénico dos tais sininhos, de medronho. Um abraço
ResponderEliminarA capacidade criativa, já que o Luís não a quer genial, continua.
EliminarVamos lá ao Chico beber o tal sininho (é aparentado com o "negus", não é?) pela alma do holandês esquisito!
ResponderEliminarO sininho é um pequeníssimo copo de vidro com a forma de sino muito usado no Alentejo e que leva uma quantidade mínima de aguardente. Já ouvi alguém dizer que só bebe sininhos e que bebe muito menos. É verdade, a questão não está na quantidade mas na repetição!
ResponderEliminarGostei tanto do texto, que até o adocicado cheiro da bebida me entrou pelas narinas. Só queria que o holandês apanhasse nas fuças aquilo que eu lhe queria enfiar no rabo.
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