A gente lê, e reflecte. A gente volta a ler e fica boquiaberto. Suspende a respiração e repete, não vá a traição vencer. Pensa
com os seus botões se ainda estiverem pregados à roupa:-" se eu fosse
refugiado a minha sorte seria outra. Teria outros apoios. De que me vale
queixar-me da minha miséria, da minha dor, da minha ferida crónica, e por causa
dela ter sido internado e operado? De que me valeu ter recorrido à Junta médica
para averiguar da minha invalidez, absoluta ou parcial, se eles me mandaram de
volta ao trabalho que não tenho desde há muito"? E dos avisos médicos à
saída do hospital, feitos pelo mestre cirurgião que me revascularizou e deu alta, me
mandou ter cuidado e ficar quieto após passar a porta para fora, aonde me esperava o mundo cão, e a Junta médica nem sequer me viu nem
inspeccionou e deu ordens a um contínuo para expulsar-me, por eu não estar
acompanhado de médico assistente a quem tinha de pagar cerca de 300 euros, e
ele testemunhasse ali em Valadares, cara
a cara com a Junta que não cheguei a ver, nem sei se existia, de que eu padecia
de doença aterosclerótica coronária, que implicou revascularização do
miocárdio, outras lesões crónicas nas artérias calcinadas, de que ainda padeço
e que me prendem a uma bateria de medicamentos, muitos dos quais eu prescindo
por não poder pagá-los, bem como de exames complementares regulares aos quais
nem compareço, por falta de qualquer apoio? Eu não estou isento, não tenho
idade para reforma, não beneficio de rendimento nenhum, não tenho direito a
baixa por doença, não sei disfarçar, não conheço a letra da canção do
coitadinho e muito menos da do bandido, não tenho jeito para pedir, sou
orgulhoso talvez... e não sou refugiado com casaco de bom cabedal, nem touca de seda, a puxar maletas de rodas YSL. Se o fosse tinha direito a salário
mínimo mesmo sem trabalhar, tinha apoios vários de Instituições do Estado,
psicólogas caridosas capazes de grandes favores e bons ofícios. E eu entre elas aconchegadinho e os cobertores quentinhos, cama, cozinha e roupa confortável,
consultas gratuitas sem necessidade de pagar taxa moderadora, medicamentos
comparticipados quase na totalidade, misericórdias atenciosas e de grande
abertura... e sem precisar de andar de rua em rua, loja a loja, com um papel a pedir carimbos, como se fosse uma caderneta de colar cromos. Todos me olhavam como espécie rara, de jardim babilónico... mas
assim sou um marginal que não sabe como sair deste inferno de pobreza mal
compreendida e pior atendida. Se eu fosse refugiado, até seria notícia e alvo
de estudos de várias Entidades, que se televisionam e aparecem a deixarem-se
fotografar, para mais tarde recordar, pelo tanto bem que fazem e dele se gabam.
Mas não. Sou português, sou vadio, bêbado, preguiçoso, que certamente gastou
toda a riqueza em álcool e mulheres, e por isso contraí doença cardiovascular,
e é bem feito, toma para aprenderes, acrescida de outras debilidades das
quais sou vigiado quando o médico de família calha de me chamar e eu lá vou se
tiver transporte e dinheiro para pagar a tal taxa à chegada, e no balcão de atendimento. E lá chegado, me
pesarem, para ver se eu estou mais gordo mesmo sem dentes para a côdea do
dia, e contribuir para o número de
obesos do país... Não sem me medirem a tensão arterial, para sentirem o meu
pulsar nervoso ou calmo... Se eu fosse refugiado, que bom seria. Sentir tanto
carinho à minha volta, e me animarem com uns euritos para eu apanhar uma
ramada, em vez de um ramadão, na companhia de uma bela odalisca...Copos e mulheres é o que está a dar, digo eu e diz o outro. Mas não. Sou
indígena de Portugal. Um país como não há igual. Talvez que na Holanda se
esteja melhor...talvez. Mas eu já não tenho idade para emigrar e parecer,
refugiado em busca de paz e regalias, e eles também não nos querem lá todos. Assim vou ter que andar sempre armado de dias vazios, para os fazer rebentar às portas deste país injusto. Vou accionar o autoclismo. Com licença!
O Joaquim Moura é um cidadão de grande capacidade intelectual e introspectiva que me merece muito respeito e admiração e trabalha a palavra com tal objectividade que, algumas vezes quer parecer um patego ou um patusco. Muitos dos seus comentários, como diria o brasileiro, são demais! Um abraço aldeano e genuíno.
ResponderEliminarEste é um comentário exclusivamente sobre o conteúdo do texto e nada sobre a categoria de escrita do autor do mesmo pois este não precisa de elogios, merecendo-os totalmente e nunca seria eu a regatear-lhos.
ResponderEliminarDito isto, confesso que fiquei "perturbado". O que o Joaquim diz tem total cabimento no plano do debate em liberdade e entende-se num outro, o da revolta pessoal de cada um que sofre aquilo que um um Estado social falha relativamente aos seus cidadãos. Agora o que me parece daquilo que diz dos imigrantes falando, como exemplo dum todo, de alguns ( os de casaco de cabedal rico e malas "samsonite") e "ignorando" totalmente aqueles que, aos milhares chegaram sem nada e, pior ainda, nem sequer chegaram pois o mar os tragou para sempre. é redutor e só lhe serve para cotejar "índigenas e refugiados" e assim, não o desejando com certeza, deitar mais uma acha para movimentos que vão corroendo a sociedade planetária ( não estou a dizer que os actuais governantes sejam paradigma para alguém!). Um palavra mais, esta mais circunscrita, para o que me desagradou na sua insinuação subtil (cínica?) sobre o desempenho das psicólogas, "atribuindo-lhes" papeis que as desonram a elas e...também a si. É isto que penso Joaquim. Pode discordar, claro. Diga-mo então. A minha admiração de sempre por si!
O Joaquim Moura é um cidadão que precisa de desabafar e fá-lo com uma verdade que nem sempre é a nossa, mas é necessário compreender as suas razões e fundamentos. Às vezes, os pormenores, podem ocupar um lugar de por maiores, segundo a visão de cada um. É bom que aprofundemos algumas das suas comunicações, não para o aplaudir ou concordar, mas para o perceber. Um abraço ao Fernando, nome do meu sobrinho pediatra no Hospital de Faro, e que conte sempre com a minha admiração e respeito. Foi um prazer tê-lo conhecido pessoalmente.
EliminarJoaquim (Tapadinhas), também tive prazer em conhecê-lo pessoalmente. Dito isto, deixe-me dizer-lhe, ou melhor, perguntar-lhe: acha que me ative a pormenores (sic)? Não aprofundei o texto do Joaquim (Moura)? Entende que este último, em última instância, o que precisa é de compreensão?! Não tenha ilusões, a última coisa que o Joaqum M. quer de nós é "mimo"!! Aliás creio que nem o admitiria! Do que conheço da sua personalidade, através dos escritos do próprio, é uma inteligência fulgurante e tem um sentido crítico acerado que faz passar ao "papel". Não seja "paternalista com ele que ele não lhe "perdoaria".
EliminarAgora, olhe, vou aguardar o Joaquim Moura se ele assim o entender. Boa noite para si!
Obrigado por estar a dar atenção (talvez excessiva) ao que escrevo e, neste caso, sobre os artigos do Joaquim Moura. Eu não quero ter a última palavra na apreciação das mensagens deste nosso companheiro e, muitas vezes, as apreciações ou comentários que faço não são dirigidos a uma pessoa específica mas um público mais alargado. O problema é que nem sempre utilizo os vocábulos mais apropriados ao momento, nalguns casos, pela "urgência" do comentário, que nem dá tempo para a necessária reflexão. Não pretendo ser paternalista, mas, possivelmente de forma errada, distribuir amizade e compreensão. Uma Boa Noite, com os meus respeitosos cumprimentos.
EliminarO Joaquim Moura brindou-nos com mais um brilhante exercício de estilo. E do bom. Sobre isso, estamos conversados.
ResponderEliminar“Se eu fosse refugiado, que bom seria”, respigo do seu texto. Acha, Joaquim? Compreendo a sua dor, a sua revolta. Não compreendo a relativização que aplica. Não são os refugiados que “têm” a mais, somos nós que “temos” a menos. E não queira tirar-lhes para minorar a nossa penúria. Há muitos indígenas por aí que sim, têm desmesuradamente a mais, provavelmente com origens ilícitas, mas a quem (quase) todos bajulam.
Obrigado a todos os Comentadores simpáticos e tolerantes que me antecedem e me superam. Mas vou elucidar o que me parece incompreendido. Sobre os que chegam, algum apresenta sinais de desespero, de maus tratos?. Não. Sobre os que sofrem de facto as agruras da guerra e que se atiram ao mar" da morte e que cuidam ser da esperança, chega cá algum? Não. Algum governante de qq. Organismo recebe aqueles pés rapados e os exibe à chegada ao aeroporto a puxar de Iphone de última geração e logo se põem a falar para a Europa, para onde pensam partir, pois isto aqui apenas lhes servem de placa giratória para atingir fins não confessados na hora da recolha e da receptação dos apoios? E se os pés rapados fossem recolhidos seriam distribuídos por onde e no meio de quem, que não fosse por entre os nossos pés rapados? E qual a razão porque para os nossos não aparecem de imediato casa e trabalho, quando já andam há que anos a pedir e estão inscritos nas Instituições que os disponibilizam? Não são os que chegam que têm a mais, de facto. Somos nós que somos uns artistas a adorar os bezerros, para nos compararmos aos benfeitores que fornecem as bombas que os matam ou afugentam. Qual a razão porque só chegam cá "refugiados" com ar de seleccionados, e não com aspecto de vira-latas e pés descalços, a arrastar trouxas e com pulgas nos sacos desfeitos, aonde não há vestígios de sorrisos nem de afectos?. Eu não vou em baleleas. Esta a N. diferença amigos Comentadores simpáticos, que me antecedem e superam em qualidade nas análises expostas... que eu muito respeito, podem crer!
ResponderEliminarCaro Joaquim,
EliminarPercebo o seu ponto, mas deixe-me só dizer-lhe o seguinte.
Se eu, algum dia, vier a ser refugiado (ninguém está livre de um cataclismo natural, de uma guerra, para não ir mais longe), não levo comigo o meu telemóvel e o meu tablet de ante-penúltima geração, ou o meu casaco de cabedal com 13 anos de idade?
Bem sei que não ganho autoridade opinativa com isto, mas, em Dezembro de 2015, observei in loco, fugazmente, dois campos de refugiados na Grécia. Acredite que eu não quereria viver lá.
...o que quer dizer que os que viu não são os mais necessitados, mas os mais privilegiados e oportunistas. Quero crer meu considerável e estimado Dr. que o sr. não foi militar. E se o foi, foi numa condição de militar de caserna e de posto médico. Mas eu sei até aonde vai a resistência de um povo e a de um combatente. Fui oficial ranger, e sei quem fica e não deixa ninguém para trás. Creio que o Tapadinhas também não enfrentou um rebentamento lá longe e que parecia ser debaixo da cama. Devemos pensar é nos que não têm milhares de euros para se porem a cavar e gastam os pés e as palmilhas a galgar terreno até se firmarem nos braços de quem lhes mata a sede e a fome, enquanto primeiros socorros. Depois tem é que se tratar da cana e ajudá-los a pescar, e não a dar-lhes mais ilusões de "terras prometidas e de el dourados enferrujados" de que nem nós beneficiamos. Isto também é negócio. Abraço a ambos!
ResponderEliminarAmigo Joaquim Moura - Cada um pronuncia-se conforme a sua sensibilidade e capacidade para o fazer, escudado nas experiências de vida, próprias e alheias, das quais teve ou tem conhecimento. Daí, as diferentes interpretações lógicas e diferentes dos mesmos factos, o que não quer dizer divergentes. Para perceber os efeitos traumáticos da guerra não é necessário participar nela e, nalguns casos, basta estar atento aos resultados.
EliminarNão espero que os meus interlocutores estejam cem por cento de acordo comigo ao apreciarmos os mesmos factos, pois, se assim o entendesse, falaria para o espelho e arrumava os assuntos. É bom analisarmos as situações de ângulos diferentes porque enriquece o conhecimento. Um abraço lusitano, do Sul para o Norte.
...ora vamos lá acrescentar umas coisinhas mais. Disseram-me que os telemóveis não funcionam a caroços de azeitona. Que de vez em quando é preciso "carregá-los" com $$$. Eu perguntei a uma menina lojista, quanto é que custava um daqueles que tira fotos de frente e por trás, e ela,- perguntou se era daqueles que se usa o dedo para cima e para baixo sobre o ecrã - os Tatcher. E eu para mim: queres ver que até nisto a tatcher mete-se. Ela porém rectificou-me e disse:- "Touch"- ah!tocar. Eu quis ver mas o preço desiludiu-me. Então mostrou-me um que parecia uma dobradiça. Um que a tampa é metade e sobe, e a outra metade são nºs e fecha como uma ferragem. Pareceu-me antigo, mas o preço era bastante convidativo. Eu porém que sou um gajo com aspirações modernas rejeitei. Disse-lhe à saída:- "fica para a próxima guerra". Vou continuar com o tambor da tribo e a manta sobre a fogueira a enviar sinais de fumo!
ResponderEliminarHá aqui qualquer confusão! O Joaquim Moura, no seu comentário das 14:31 horas, estava a responder ao José Rodrigues, acho eu. Isto porque escreveu na sequência do comentário dele.Eu sou o Fernando Rodrigues e eu é que sou médico. Aliás, depois do 1º comentário do Joaquim Moura, "meti a viola ao saco" porque entendi as posições diferentes que temos sobre os factos e portanto...
ResponderEliminarTambém me dei conta da confusão. Já agora, para total esclarecimento: o Joaquim Moura provavelmente não se lembra, mas, no decurso do almoço do Encontro do ano passado, eu disse-lhe de viva voz que fui tropa e até estive pouco mais de dois anos na Guiné. Não fui ranger ou comando, nunca tive estaleca para essas coisas, mas não deixei de sentir alguns dos sentimentos que a guerra desperta. E pronto!
ResponderEliminarProvavelmente não devia voltar a esta caixa, para debater este assunto. Aliás, qual assunto? Depois da confusão de pessoas e da deriva do tema original para os nossos "curriculae" militares, já não sei verdadeiramente onde estamos. No entanto quanto à minha vida militar e porque já é a segunda vez neste blogue que acham que fui "não sei o quê" aqui deixo um resumo dum período que só faz parte da minha vida porque me obrigaram: depois do clássico período em Mafra e no Hospital da Estrela (sou médico, não é?...), estive durante 16 meses (total) no norte de Moçambique (zona de Tete) e em Nampula, no hospital militar. Apanhei lá o 25 de Abril, o que em permitiu regressar mais cedo do que o previsto. A minha acção foi a de médico e só estive uma vez debaixo de fogo, num golpe de mão ao quartel com apoio de armas pesadas. E é tudo. Nada disto me orgulha nem me deprime, excepto no desempenho da medicina com tudo o que ela comporta e onde procurei fazer o melhor que pude. Foi tempo perdido mas cumpri a minha obrigação.
ResponderEliminarRegressando ao tema "Refugiados e Indígenas" pela mão do Joaquim Moura, as posições cada um de nós (somos quatro!) são claras e, a partir de agora, só me "enredaria" num prolongamento artificial se continuasse por aqui.
Vão longos os comentários, mas também não deixo de "molhar a sopa". O amigo Joaquim, um exímio estilista e homem de acertadas reflexões, desta vez pôs-se a jeito, e são justas as bordoadas. Também não concordo com o que pensa sobre os refugiados.
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