sábado, 17 de fevereiro de 2018

O Hospital de todos os males

O CHTS – Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, vulgo hospital padre Américo, revela-se dolorosamente, como um Centro de Agravamento da Saúde de quem tem o infeliz azar de lá ir procurar reparação para os seus males. A designação de Centro Hospitalar é excessiva, se não abusiva. Deparamo-nos ao fim de quatro dias e quatro noites, após aqui sermos internados nas Urgências, que estamos instalados nas piores condições que se podem perspectivar. Concluímos mais cedo que tarde, que nos sequestraram e amarraram numa estrumeira assistida com vigilância imprescindível, voluntariosa, inexcedível, abnegada, que faz o que pode, que assegura os paliativos requeridos com profissionalismo, mas que não consegue disfarçar as insuficiências aberrantes ali estampadas. São vítimas também, estes funcionários que desempenham as tarefas para as quais é necessário paciência, estofo especial e muito humano, nestas instalações e por falta delas. É abusiva a sua designação de Centro Hospitalar. Tal Unidade de prestação de cuidados médicos, faz concorrência a qualquer circo bestial, com muita macacada a monte, cada qual fazendo o seu número, que a ninguém conforta. À medida que os dias e as noites passam, tomamos consciência do grau assassino, criminoso, das condições a que somos submetidos. Poder-se-ia chamar a tal Complexo com nome de padre benfeitor e “polémico” – Hospício de Transtorno. Ainda catacumbas de tortura, até, casa de segredos, aonde médicos e enfermeiros percorrem  empunhando o processo individual clínico, atrás do Zé Maria, da Maria Zé, do Belmiro, da Amélia, etc. Do doente que tem pulseira amarela ou laranja, mas que está sabe-se lá onde. Pensamos, sem provas, que aqui esteve internado Dante Alighieri, e aqui recolheu matéria e conhecimento que lhe permitiu criar a sua Obra - O Inferno. E também por cá tenha estado, Bosch, onde capturou todos os fantasmas que povoam a suas telas. É impossível ao cidadão comum, banal, felizmente afastado do cenário macabro que aqui tem lugar, por dentro de portas e cortinados, aperceber-se do grau de tortura que sofrem os que mantêm a mente sã, misturados por entre uma população de doentes afectados e infectados de todos os males inimagináveis, que pegam todos ao mesmo estado ao fim de pouco tempo. As “estórias terríficas” são tantas, que contadas com o génio de Gorky, ninguém as aceita credíveis. Só filmadas por um Kubrick ou Millos Formam, nos dariam um retrato irrefutável, sobre a “mecânica deste ninho de cucos”. A tortura sobre os doentes profundos misturados com os pacientes ligeiros, que aguardam neste depósito feito área de arrumos improvisada, vagas, nos pisos superiores da especialidade médica para onde serão chamados quando surgir a oportunidade, nunca previsível, equivale às “ofensas” produzidas em Dachau, Treblinka, Colditz, ou até mesmo Auschwitz, dos horrores, praticadas sobre aqueles que a História de má memória regista. Parece exagero e injusta esta comparação, pois aqui a mínima refeição, toalhas, banho, são fornecidos, e os gases libertados são intestinais, e disto ninguém morre e nada há a dizer. Mas estamos no século XXI, de um Portugal moderno e das gabarolices, e por certo algo se devia ter aprendido. Mas neste depósito, aonde os doentes são retidos precariamente, e sujeitos aos gritos, aos roncos, aos urros, entre zombis uivantes, esqueletos móveis em fralda que protestam vivamente, mulheres e homens desnudados e de cu à mostra, seres desesperados que berram de dia e ressonam à noite enquanto se borram todos e conspurcam lugares de higiene, cuja limpeza será reposta pelos serviços com a prontidão adequada, é verdade, e os devolvem reutilizáveis para outros, os demais pacientes, que mantêm as suas capacidades mentais e psíquicas sem mazelas diagnosticadas, são apanhados neste turbilhão de sofrimento e assim se igualam no desespero ao fim do breve tempo em que aqui “estagiam” forçadamente – nas Urgências. A juntar a tudo isto e ao que muito mais não se consegue relatar, temos a algazarra feita por ruídos parasitas, num lugar aonde é suposto, ser de saúde e sossego, e não covil de desalmados. Qualidades difíceis de atingir ou são negadas. As noites são de apelos sucessivos, em busca de cura imediata ou satisfatória. A desordem e a anormalidade extravasa o tolerável. Ao chinfrim concertado que percorre aquela “Urgência” a que urge tratá-la quanto antes, juntam-se os sons repetidos e acumulados dos telemóveis, que abrem no ar o quim barreiros, o zé cabra ou outro tonho do mesmo tom, mais o último êxito do rancho folclórico que actuou no arraial da srºdos remédios e da srª dos aflitos. Não bastando tal balbúrdia e esterco festivaleiro, juntam-se-lhe os próprios agentes de serviço em funções, que durante a noite engrossam a algazarra, com tagarelices fúteis do seu quotidiano, num volume de decibéis dispensáveis. Repetimos, que os assistentes operacionais são fantásticos. Prestáveis e com rigor, como se lhes exige. Porém o pecado tem lugar. Não há perfeição e ninguém a reclama. Mas há com certeza gestores, administradores, governantes, que são responsáveis por não cuidarem de assentarem arraial em tal vespeiro, e nele suportarem o mesmo, ao vivo, e sofrerem na pele e na carne, o que os pacientes ali transtornados vítimas do mal que aqui os trouxe, para aprenderem a realizarem investimento capaz de eliminar a precariedade desumana que a todos consome. Há muita incompetência e desleixo nos nomeados para cargos de Direcção de Centros Hospitalares, como é o caso do CHTS – hospital padre Américo, mas que acumulam chorudos rendimentos e riqueza salarial à custa destas estruturas e destes passivos doentes. Estruturas que são autênticos laboratórios de produção e de distribuição de vírus, que se transmitem dos que deles padecem, para os que nelas entraram mais saudáveis do que saem, ou que por lá permanecem por mais tempo do que o previsto por esta causa estúpida e que afectam gravemente o próprio espaço e o equipamento que podia ser libertado mais rapidamente. Se as instalações são exíguas, se o equipamento é obsoleto, se o capital humano é insuficiente, factores que ressaltam à vista e são alvo de queixa por quem aqui trabalha, cabe às Autoridades(!) supra apontadas, resolverem, anulando despesismos injustificados, e gerirem melhor os soberbos recursos injectados e reivindicados repetidamente, mas sem controlo, e que só beneficiam privilégios e privilegiados. A desorientação, a desorganização, o alheamento do que por aqui grassa e intoxica, é evidente, e não é a exigência de internet, inexistente, que permitisse trabalhar e enviar esta reclamação e denúncia via e-mail para o Ministério da Tutela, à semelhança de hospitais congéneres, que está na base de todos os males deste manicómio, a que alguns teimam designar – Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa – que apenas devia constar num rancking das piores estruturas dos cuidados de saúde pública, e ele próprio a merecer ser internado nos cuidados intensivos sob severa e apertada fiscalização. Um Hospital, administrado por quem se fecha em aposentos sem paredes de vidro, de onde nada vê e menos sabe, só pode por tal estadia, sofrer de cegueira e de ignorância agravada. Os casos mais macabros ficam de reserva para serem descritos e divulgados por altura de outro carnaval, já que esta crónica vai longa. Mas não se pode deixar de apontar algumas falhas anedóticas ouvidas pelos corredores e salas dos acamados, saídas das bocas dos auxiliares, tais como a falta de pão, de creme de banho, compressas e esponjas no limite, e da sopa ao jantar, que acabou antes de chegar aos últimos. “É preciso fazer o que ainda não foi feito”. E esta denúncia/reclamação, serve esse desejo e não o sonho. É necessário ter-se uma saúde de ferro que não enferruje, quando sujeita a tanta água que corre por aqueles labirínticos corredores, que se prolongam desde a Administração fechada em gabinete de luxo e perfumado, até à porta por onde sairá o utente, curado ou não, sem curiosa vontade de olhar para trás, aonde permanecerão os dramas e tragédias naquele palco de angústia, e aonde o passearam de maca, de arrasto em arrasto, sem poiso à vista. Assim foram os meus quatro primeiros dias e noites, até que subi ao 8º piso, e uma quase acalmia teve lugar a meu lado, mas impróprio de acordo com a doença manifestada e que ali me internou, e mesmo assim longe da especialidade médica indicada, por falta de vaga. Termino parafraseando ou adaptando Blas Otero à situação surreal vivida em onze longos dias – “ o CHTS morrerá se não o ofendermos. É preciso possuí-lo e humilhá-lo em público. Depois logo se verá o que fazer com ele, antes que ele acabe connosco”!




Sem comentários:

Enviar um comentário

Caro(a) leitor(a), o seu comentário é sempre muito bem-vindo, desde que o faça sem recorrer a insultos e/ou a ameaças. Não diga aos outros o que não gostaria que lhe dissessem. Faça comentários construtivos e merecedores de publicação. E não se esconda atrás do anonimato. Obrigado.

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.