O CHTS – Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, vulgo hospital
padre Américo, revela-se dolorosamente, como um Centro de Agravamento da Saúde
de quem tem o infeliz azar de lá ir procurar reparação para os seus males. A designação
de Centro Hospitalar é excessiva, se não abusiva. Deparamo-nos ao fim de quatro
dias e quatro noites, após aqui sermos internados nas Urgências, que estamos
instalados nas piores condições que se podem perspectivar. Concluímos mais cedo
que tarde, que nos sequestraram e amarraram numa estrumeira assistida com
vigilância imprescindível, voluntariosa, inexcedível, abnegada, que faz o que
pode, que assegura os paliativos requeridos com profissionalismo, mas que não
consegue disfarçar as insuficiências aberrantes ali estampadas. São vítimas
também, estes funcionários que desempenham as tarefas para as quais é
necessário paciência, estofo especial e muito humano, nestas instalações e por
falta delas. É abusiva a sua designação de Centro Hospitalar. Tal Unidade de
prestação de cuidados médicos, faz concorrência a qualquer circo bestial, com
muita macacada a monte, cada qual fazendo o seu número, que a ninguém conforta.
À medida que os dias e as noites passam, tomamos consciência do grau assassino,
criminoso, das condições a que somos submetidos. Poder-se-ia chamar a tal
Complexo com nome de padre benfeitor e “polémico” – Hospício de Transtorno.
Ainda catacumbas de tortura, até, casa de segredos, aonde médicos e enfermeiros
percorrem empunhando o processo individual
clínico, atrás do Zé Maria, da Maria Zé, do Belmiro, da Amélia, etc. Do doente
que tem pulseira amarela ou laranja, mas que está sabe-se lá onde. Pensamos,
sem provas, que aqui esteve internado Dante Alighieri, e aqui recolheu matéria
e conhecimento que lhe permitiu criar a sua Obra - O Inferno. E também por cá
tenha estado, Bosch, onde capturou todos os fantasmas que povoam a suas telas.
É impossível ao cidadão comum, banal, felizmente afastado do cenário macabro
que aqui tem lugar, por dentro de portas e cortinados, aperceber-se do grau de
tortura que sofrem os que mantêm a mente sã, misturados por entre uma população
de doentes afectados e infectados de todos os males inimagináveis, que pegam todos
ao mesmo estado ao fim de pouco tempo. As “estórias terríficas” são tantas, que
contadas com o génio de Gorky, ninguém as aceita credíveis. Só filmadas por um
Kubrick ou Millos Formam, nos dariam um retrato irrefutável, sobre a “mecânica
deste ninho de cucos”. A tortura sobre os doentes profundos misturados com os
pacientes ligeiros, que aguardam neste depósito feito área de arrumos
improvisada, vagas, nos pisos superiores da especialidade médica para onde
serão chamados quando surgir a oportunidade, nunca previsível, equivale às “ofensas”
produzidas em Dachau, Treblinka, Colditz, ou até mesmo Auschwitz, dos horrores,
praticadas sobre aqueles que a História de má memória regista. Parece exagero e
injusta esta comparação, pois aqui a mínima refeição, toalhas, banho, são
fornecidos, e os gases libertados são intestinais, e disto ninguém morre e nada
há a dizer. Mas estamos no século XXI, de um Portugal moderno e das
gabarolices, e por certo algo se devia ter aprendido. Mas neste depósito, aonde
os doentes são retidos precariamente, e sujeitos aos gritos, aos roncos, aos
urros, entre zombis uivantes, esqueletos móveis em fralda que protestam
vivamente, mulheres e homens desnudados e de cu à mostra, seres desesperados
que berram de dia e ressonam à noite enquanto se borram todos e conspurcam lugares
de higiene, cuja limpeza será reposta pelos serviços com a prontidão adequada,
é verdade, e os devolvem reutilizáveis para outros, os demais pacientes, que
mantêm as suas capacidades mentais e psíquicas sem mazelas diagnosticadas, são
apanhados neste turbilhão de sofrimento e assim se igualam no desespero ao fim
do breve tempo em que aqui “estagiam” forçadamente – nas Urgências. A juntar a
tudo isto e ao que muito mais não se consegue relatar, temos a algazarra feita
por ruídos parasitas, num lugar aonde é suposto, ser de saúde e sossego, e não
covil de desalmados. Qualidades difíceis de atingir ou são negadas. As noites
são de apelos sucessivos, em busca de cura imediata ou satisfatória. A desordem
e a anormalidade extravasa o tolerável. Ao chinfrim concertado que percorre
aquela “Urgência” a que urge tratá-la quanto antes, juntam-se os sons repetidos
e acumulados dos telemóveis, que abrem no ar o quim barreiros, o zé cabra ou
outro tonho do mesmo tom, mais o último êxito do rancho folclórico que actuou
no arraial da srºdos remédios e da srª dos aflitos. Não bastando tal balbúrdia
e esterco festivaleiro, juntam-se-lhe os próprios agentes de serviço em funções,
que durante a noite engrossam a algazarra, com tagarelices fúteis do seu quotidiano,
num volume de decibéis dispensáveis. Repetimos, que os assistentes operacionais
são fantásticos. Prestáveis e com rigor, como se lhes exige. Porém o pecado tem
lugar. Não há perfeição e ninguém a reclama. Mas há com certeza gestores,
administradores, governantes, que são responsáveis por não cuidarem de
assentarem arraial em tal vespeiro, e nele suportarem o mesmo, ao vivo, e
sofrerem na pele e na carne, o que os pacientes ali transtornados vítimas do
mal que aqui os trouxe, para aprenderem a realizarem investimento capaz de
eliminar a precariedade desumana que a todos consome. Há muita incompetência e
desleixo nos nomeados para cargos de Direcção de Centros Hospitalares, como é o
caso do CHTS – hospital padre Américo, mas que acumulam chorudos rendimentos e
riqueza salarial à custa destas estruturas e destes passivos doentes.
Estruturas que são autênticos laboratórios de produção e de distribuição de
vírus, que se transmitem dos que deles padecem, para os que nelas entraram mais
saudáveis do que saem, ou que por lá permanecem por mais tempo do que o
previsto por esta causa estúpida e que afectam gravemente o próprio espaço e o
equipamento que podia ser libertado mais rapidamente. Se as instalações são
exíguas, se o equipamento é obsoleto, se o capital humano é insuficiente,
factores que ressaltam à vista e são alvo de queixa por quem aqui trabalha,
cabe às Autoridades(!) supra apontadas, resolverem, anulando despesismos
injustificados, e gerirem melhor os soberbos recursos injectados e reivindicados
repetidamente, mas sem controlo, e que só beneficiam privilégios e
privilegiados. A desorientação, a desorganização, o alheamento do que por aqui
grassa e intoxica, é evidente, e não é a exigência de internet, inexistente, que
permitisse trabalhar e enviar esta reclamação e denúncia via e-mail para o
Ministério da Tutela, à semelhança de hospitais congéneres, que está na base de
todos os males deste manicómio, a que alguns teimam designar – Centro
Hospitalar do Tâmega e Sousa – que apenas devia constar num rancking das piores
estruturas dos cuidados de saúde pública, e ele próprio a merecer ser internado
nos cuidados intensivos sob severa e apertada fiscalização. Um Hospital, administrado
por quem se fecha em aposentos sem paredes de vidro, de onde nada vê e menos
sabe, só pode por tal estadia, sofrer de cegueira e de ignorância agravada. Os
casos mais macabros ficam de reserva para serem descritos e divulgados por
altura de outro carnaval, já que esta crónica vai longa. Mas não se pode deixar
de apontar algumas falhas anedóticas ouvidas pelos corredores e salas dos
acamados, saídas das bocas dos auxiliares, tais como a falta de pão, de creme
de banho, compressas e esponjas no limite, e da sopa ao jantar, que acabou
antes de chegar aos últimos. “É preciso fazer o que ainda não foi feito”. E
esta denúncia/reclamação, serve esse desejo e não o sonho. É necessário ter-se
uma saúde de ferro que não enferruje, quando sujeita a tanta água que corre por
aqueles labirínticos corredores, que se prolongam desde a Administração fechada
em gabinete de luxo e perfumado, até à porta por onde sairá o utente, curado ou
não, sem curiosa vontade de olhar para trás, aonde permanecerão os dramas e
tragédias naquele palco de angústia, e aonde o passearam de maca, de arrasto em
arrasto, sem poiso à vista. Assim foram os meus quatro primeiros dias e noites,
até que subi ao 8º piso, e uma quase acalmia teve lugar a meu lado, mas
impróprio de acordo com a doença manifestada e que ali me internou, e mesmo
assim longe da especialidade médica indicada, por falta de vaga. Termino parafraseando
ou adaptando Blas Otero à situação surreal vivida em onze longos dias – “ o
CHTS morrerá se não o ofendermos. É preciso possuí-lo e humilhá-lo em público.
Depois logo se verá o que fazer com ele, antes que ele acabe connosco”!
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