sábado, 14 de maio de 2016

Outra vez o social-fascismo?

Os ataques do PCP ao Bloco trazem à memória a guerra lançada pelo ditador soviético Estaline contra a social-democracia europeia nos anos 30 do século XX, uma das causas da chegada de Hitler ao poder.
Não é por proximidade ideológica, mas por mero interesse profissional que à quinta-feira leio "religiosamente" o "Avante", órgão do Comité Central do Partido Comunista Português, e constato que, do ponto de vista ideológico, os comunistas portugueses em nada se afastaram de Estaline no que respeita ao combate contra o Bloco de Esquerda, seu actual parceiro no apoio ao governo de António Costa.
No último número desse jornal, tal como aconteceu em números anteriores, o Bloco de Esquerda e os seus aliados internacionais são um dos principais alvos do ataque dos comunistas portugueses. Na crónica internacional "Ilusões e luta", pode ler-se: "Na Grécia e França, importantes lutas marcam a actualidade. Governos auto-proclamados de esquerda – ou até da «esquerda radical» – estão a concretizar as políticas anti-laborais e anti-sociais do grande capital financeiro. Mas a resistência tem-se manifestado nas ruas e em greves, organizada pelo movimento sindical e organizações políticas ligadas à defesa dos interesses de quem trabalha, e não aos interesses de quem lucra".
E para que não fiquem dúvidas, o autor acrescenta: "Na Grécia é o governo da «esquerda radical do Syriza – tão promovido por certa esquerda europeia, como o BE, que se pendurava ao pescoço de Tsipras nos dias de glória eleitoral para depois fazer de contas que nem sabia quem fosse – que está a promover mais um feroz ataque ao martirizado povo grego. Desta vez com uma «reforma» do sistema de pensões. De proclamado opositor e resistente aos ditames da UE, o governo Tsipras tornou-se num fiel executante das políticas de austeridade da Comissão Europeia, Banco Central Europeu e FMI. Mas o governo Tsipras foi mais além, colaborando com o belicismo imperialista".
No plano da política interna portuguesa, isto apenas destaca que o Bloco de Esquerda é um dos principais adversários e concorrentes do PCP, mais perigoso até do que os chamados partidos de direita: CDS/PP e PSD. Os comunistas receiam entrar numa rota irreversível de extinção, cujo processo poderá favorecer o BE.
Este tipo de ataques do PCP ao BE traz à memória a guerra lançada pelo ditador soviético José Estaline contra a social-democracia europeia nos anos 30 do século XX, uma das causas da chegada de Adolfo Hitler ao poder na Alemanha. Foi então que surgiu o termo "social-fascismo", criado por Moscovo para denegrir a esquerda democrática na época.
Mais tarde, como é sabido, o "feitiço virou-se contra o feiticeiro" e o termo "social-fascista foi utilizado pela extrema-esquerda portuguesa para atacar o partido de Álvaro Cunhal.
No plano externo, é "comovente" (mas não surpreendente) a admiração que o Partido Comunista Português nutre por dirigentes como Vladimir Putin. O "Avante" noticia: "Segunda-feira, 9, a Praça Vermelha foi palco de um impressivo desfile envolvendo cerca de 10 mil militares (pela primeira vez participou um esquadrão feminino de cadetes), 135 veículos e 71 aviões. O presidente da Federação Russa, Vladimir Putin, apelou à construção de «um novo bloco de segurança internacional para derrotar o terrorismo», que considerou uma séria ameaça contemporânea"".
Não vamos perder tempo a comentar o facto de manifestações dessas terem como único objectivo demonstrar força militar, pois, caso contrário, o Kremlin faria melhor canalizar os meios financeiros gastos nestes espectáculos para o apoio aos veteranos russos da Segunda Guerra Mundial, muitos dos quais recebem pensões miseráveis e não têm meios para tratar da sua saúde.
Fica-se com a sensação de que os comunistas portugueses esperam que Vladimir Putin volte a ressuscitar dos mortos a União Soviética, esperança completamente vã. É verdade que o dirigente russo tem algumas coisas de comum com os líderes comunistas soviéticos: é autoritário, usa e abusa do discurso "anti-imperialista", ou seja, anti-americano para justificar todos os males do seu próprio país e do mundo em geral, esperando assim desviar a atenção dos russos do estado em que se encontra a Rússia.
Mas, na realidade, a política social e económica por Putin realizada assemelha-se muito à da extrema-direita autoritária, nomeadamente ao salazarismo. Ele criou na Rússia um sistema corporativo que faria inveja a qualquer ditador. Basta olhar para o estado do movimento sindical russo, completamente controlado pelo Kremlin. Se são raras as notícias sobre greves e conflitos sociais na Rússia, isso não se deve à prosperidade económica e social, mas à acção de um aparelho repressivo cada vez maior e mais brutal.
Dito isto, só encontro uma explicação para este fenómeno e ela já não é nova: os extremos tocam-se.
Voltando à guerra entre o PCP e o BE, os militantes desta última organização têm mais sorte do que os seus congéneres soviéticos, nomeadamente Lev Trotski, porque Portugal não corre, pelo menos por enquanto, o risco de ver os comunistas chegarem ao poder. Se tal desgraça acontecesse, receio que seria desenterrado o famoso pica-gelo utilizado por Estaline para liquidar o seu mais directo adversário na luta pelo poder: Trotski.



Texto de José Milhazes 16.05.2016



8 comentários:

  1. José Milhazes foi e é anticomunista militante profissional. Não é verdade que o PCP considere o BE seu inimigo, o que não esconde é divergências o mesmo que faz com o PS e o seu governo. O José Milhazes não desmente os factos do artigo do Avante que leu profissionalmente. Ou não é verdade o que se passou e passa na Grécia e na França?

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  2. José Milhazes foi e é anticomunista militante profissional. Não é verdade que o PCP considere o BE seu inimigo, o que não esconde é divergências o mesmo que faz com o PS e o seu governo. O José Milhazes não desmente os factos do artigo do Avante que leu profissionalmente. Ou não é verdade o que se passou e passa na Grécia e na França?

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  3. Senhor Ernesto Silva, não é por repetir a opinião que passa a ter razão.
    Desculpe, mas não resisti a desanuviar o ambiente usando um pouco de humor, humor que já foi criticado neste blogue. Como também me acusam de macambuzio, veja lá o meu dilema.
    Falando sério, sou incapaz de desmentir o que acaba de divulgar e que me irá ser muito útil para de futuro, quando o ouvir ou ler serviços deste correspondente na Rússia, tomar certas cautelas. Mas repare que também não quero dizer com isto, que lhe estou a dar razão a 100% pois é a sua opinião. Posto o isto, parti para a Wikipédia para formar uma opinião de José Milhazes e que aqui deixo para estudo de quem se interessar pelo assunto.
    Aceite os meus agradecimentos pelo alerta que aqui deixou.
    “Começou os estudos secundários na Ordem Missionária dos Combonianos, mas terminou-os no Liceu Eça de Queirós da terra natal. Em 1977, parte para a União Soviética a fim de cursar História da Rússia e assistir à “construção do comunismo”. Tendo bem mais sorte do que muitos outros estudantes portugueses que foram mandados para os “confins do Império”, pôde levar a cabo os seus estudos na Universidade Estatal de Moscovo (Lomonossov).
    Formado em 1983, constituiu família e ficou a residir na URSS, dedicando-se à tradução de obras literárias (Tolstoi, Turgueniev, Erofeev), e políticas (Brejnev, Andropov, Chernenko, Gorbatchov), bem como de filmes de ficção de língua russa para português. A 8 de Agosto de 1989, escreve a primeira crónica para a TSF e, no ano seguinte, com o lançamento do jornal "Público", torna-se seu correspondente em Moscovo. Em 2002, começa também a colaborar com a SIC. A longa permanência na União Soviética e, depois, na Rússia, permitiu-lhe assistir e participar num dos períodos mais agitados do séc. XX: a queda da “cortina de ferro” e a formação de novos Estados no Leste da Europa. Presentemente, é correspondente da Agência Lusa, SIC e RDP em Moscovo.
    É, juntamente com o jornalista Carlos Fino, um dos correspondentes na Rússia mais destacados da televisão portuguesa. Para isso também contribui a sua voz, extremamente parecida com a do escritor Baptista Bastos, imitada por alguns humoristas portugueses.
    O gosto pela História e a vontade de aprofundar o estudo dos “laços entre o Partido Comunista Português e o Partido Comunista da União Soviética” leva-o a realizar trabalhos de investigação nos arquivos soviéticos para o Instituto de Ciências Sociais da Universidade Clássica de Lisboa e Fundação Mário Soares. A 07 de Janeiro de 2008, defendeu a tese de doutoramento "Influência das ideias liberais espanholas e portuguesas na Rússia" na Faculdade de Letras da Universidade do Porto, tendo o trabalho sido aprovado por unanimidade. Autor dos livros. "Angola: o princípio do fim da União Soviética" (Vega, 2009), "Samora Machel: Atentado ou Acidente?" (Aletheia, 2010), "A Saga dos Portugueses na Rússia" (Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2011)e "O Essencial sobre o Fim do IMpério Soviético" (Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2011), "Португалия: «Здесь русский дух...» Лиссабон" (2012), "Мадейра “Погреб мой гостеприимный Рад мадере золотой" (2013)- estes dois livros em russo foram escritos em conjunto com a mulher, Siiri Milhazes -, "Golpe "Nito Alves" e outros momentos da História de Angola vista do Kremlin" (2013).
    Comendador da Ordem de Mérito da República Portuguesa (2013) …

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  4. Não se arme em vítima e não deturpe ( para não dizer, não minta) Sr. Morais! Ninguém o acusou de macambúzio! Guerra Junqueiro é que nos definiu como um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio.E pela minha parte não fico nada zangado com aquele nosso brilhante intelectual. Até porque como os amigos não servem só para nos darem palmadinhas nas costas, ele termina assim"...um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, - reflexo de astro luminoso em silêncio escuro de lagoa morta." Se fosse só para si não dizia. Mas como não é: transcrito da sua obra "Pátria"

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  5. É direito de qualquer um eleger os seus pensadores de referência. A mim, José Milhazes não me merece qualquer respeito intelectual, por mais doutoramentos que tenha concluído, com ou sem unanimidade dos avaliadores. E não penso assim atendendo ao seu posicionamento político. Portanto, se algum dia o citar, será certamente por recurso ao absurdo.

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  6. Concluindo e resumindo: muito blá, blá, que eu respeito, mas não vi um contraditório desmentindo o texto de Milhazes. Já agora aproveito para informar que nunca me deixei embalar por pensadores, sejam eles quais forem. No entanto, parece-me, e desculpem-me se estou a desclassificar alguém, mas que saiba e por aquilo que tenho lido, nenhum dos comentadores chega aos calcanhares do correspondente.

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  7. Com toda a calma do mundo, e sem qualquer nervosismo (que, em dialéctica, é mau conselheiro), continuo sem razões para nutrir qualquer respeito intelectual por José Milhazes e continuo também sem qualquer vontade de lhe chegar aos calcanhares. Bem sei que não tenho a “superioridade” de ostentar qualquer comenda que, aliás, nunca desejaria, caso me fosse conferida pelo sr. Aníbal Cavaco Silva. Quanto ao resto, fiquei ligeiramente surpreendido pelo desvio do cerne da questão para os méritos dos comentadores.

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  8. Como eu tenho respeito intelectual por pessoas que não tendo o posicionamento politico que eu gostaria que tivessem e como não tenho que dar satisfações a ninguém, consigo separar as coisas e admira-las. E sabe como isto é possível: é que politica ou desportivamente falando, não sou anti nada. Sou apenas: não comunista, não socialista, não portista, etc. Quer exemplos: quando o FCP ficou campeão europeu, fui para a Avenida dos Aliados festejar. Outro? Quando aquele comunista que saneou 34 camaradas de trabalho no DN por não comungarem das suas ideias, José Saramago, não digo que o fiquei a odiar pois é um sentimento que não consigo ter contra ninguém, mas quando ganhou o Nobel, fiquei contente por ter trazido para Portugal esse titulo. É por isso que não compreendo, e só para lhe dar um exemplo, tanta inveja a Durão Barroso que exerceu tão alto cargo mas para disfarçarem agarram-se à cimeira dos Açores quando toda a gente sabe que é apenas por ser doutra família politica. Agora, e com toda a franqueza, seria com outra alegria se os ganhadores tivessem sido outros clubes ou escritores.

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