Ó meu rico Santo António,
tuga do meu coração,
faz-me lá um milagrinho,
um amor de supetão.
Para os Lisboetas que levam o amor pela sua cidade como coisa
séria, aproximam-se os melhores dias do ano. As festas em honra do seu santo
padroeiro, santo repartido, mas mais nosso do que dos outros, os italianos.
É o momento do ano em que descontraímos corpo e alma, às voltas
com o caracol, a sardinha importada, o tinto a tingir os beiços.
É a época em que suportamos todas as cores e feitios, e até um
arbusto desinteressante (é uma erva de aroma e dá pelo caricato nome de Ocimum minimum) que para dar cheiro é
preciso deitar-lhe a mão, aí ganha outra
vida, torna-se um protagonista efémero, com um cravo de papel espetado e uma
quadra popular dedicada à data.
As tristezas e as vinganças da vida pagam-se depois, quando
baixa a adrenalina, que agora anuncia-se a folia para o mês inteiro. As
pequenas picardias ficam para a noite do desfile das marchas na avenida e
quando se anuncia o vencedor: nunca o que se queria que fosse, o nosso, sempre
os do lado – cambada de pindéricos! – amigos dos jurados, está tudo feito e
combinado com antecedência.
Nas noites do santo António os bairros vivem-se fora de casa, na
rua, nos becos e nas vielas, nos pátios onde se montam os grelhadores, as mesas
desconchavadas e instáveis, se arma a banca das vendas, e se ouve a música
popular, ensurdecedora pelo volume e pela qualidade, que gosto não se discute.
Nessas noites até o Cid marcha, quer-se dizer: dança-se, neste caso sem banana
e com o manjerico na mão.
Os turistas que andam por cá em bandos, também a marchar mas
atrás de um pau com uma bandeirinha, transportado por senhoras de meia-idade
com um ar enfadado que falam sofrivelmente línguas, vão levar um banho de
civilização, a nossa. Alguns irão mais leves para casa, desapossados das suas
carteiras recheadas, outros vão fascinados de nós, dos costumes, dos petiscos,
da bonomia de alguma gente, que nem toda.
Ao fim da noite, nos bailaricos improvisados e noutros de alguma
organização, eles já cantam as modinhas locais e fartam-se de sorrir e dizer
obrigado, partilhando os bens e as mulheres que se deixam, com os locais.
Fartam-se de pagar cervejas e copos de sangria.
Ganharam uma corte de novos
amigos, desdentados e oportunistas (não são só os transmontanos), e amanhã vão
ter uma ressaca tremenda enquanto visitam o claustro do mosteiro dos Jerónimos
ou vão de homenagem ao Eusébio no Panteão Nacional.
Fazendo calor, muitos pares de pés descalços e encortiçados de
tanto bailarico, procurarão refrigério na praia do cais das colunas, nas suas
águas cristalinas e tão transparentes que se veem as taínhas a debicarem nas
latas de conservas abertas e vazias que jazem no leito imaculado do rio.
Pés que se banham a horas tardias, tão tardias que o sol já
desponta.
Não sabem onde estão – os pés e as cabeças - naquele estado não
encontram a rua do seu maravilhoso hostel, com vista para o estendal da vizinha
da frente, onde secam despudoradamente cuecas lilases e roxas (no chinês a três
euros) lavadas depois do uso semanal, todas em fila, a contribuírem com o seu
colorido para o festejo.
Quando baixarem os níveis de deslumbramento por estas festas tão
lindas, os turistas acabarão por encontrar o seu rumo, a morada certa, e nessa
altura, quando finalmente se forem deitar, já as cuecas foram apanhadas, porque
estão secas.
A expectativa desta comemoração, à distância de uma semana,
origina uma grande excitação. Tamanha é a agenda dos acontecimentos, que só
acontecem uma vez por ano e a vontade de os reviver: as noivas e noivos que se
casam na Sé Catedral sob o beneplácito do santo e o sinal da cruz do patriarca,
acabadinho de chegar de outra marcha, ainda com a camisola amarela a destoar do
solidéu; o concurso dos tronos no Rossio – voltou-se a esta tradição, espera-se
vê-los alguns e bons; o desfile sumptuoso e rico dos bairros da cidade pela
avenida abaixo, mais os indispensáveis apresentadores televisivos histriónicos,
sempre os mesmos, as madrinhas e padrinhos, figuras públicas algumas, que
abrilhantam a competição ou a tornam ainda mais enfadonha; finalmente a enorme
multidão que anda na rua, insuflada de contentamento, suando felicidade pura,
deitando os maus olhado para trás das costas, que mesmo difícil e cara a vida,
ainda se dá tudo por uma sardinha no pão.
Vale a pena o mês de Junho para nos lembrarmos que temos santo,
e podemos mandar com propriedade e diplomacia os italianos à fava, que este
santo não o merecem, depravados do esparguete!
O santo António é lindo e para muitos de nós é melhor dia feriado
que o 10 de Junho, o 25 de Abril ou o 1º de Dezembro. É como se diz, um valor
seguro, está sempre presente (no seu espírito celestial).
Viva o rei dos feriados, com os devidos cumprimentos aos reis
dos feriados dos outros parceiros, que lá no céu eles são todos amigos, o
António, o João e o Pedro, não mencionando outros que seria fastidioso, mas de
que não temos menos consideração.
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