O pintassilgo e o cativeiro
*Cristiane Lisita
“Quero
voar, voar, voar. Estas coisas o pássaro diria, se pudesse falar. E a tua alma,
criança, tremeria, vendo tanta aflição. E a tua mão, tremendo, lhe abriria a
porta da prisão...”, poetizara Olavo Bilac. O pintassilgo é um acanhado
pássaro, de canto harmonioso e, ainda que coibida a sua captura, parece jazer
condenado em alguma gaiola. O seu habitat
natural se esparge pela zona central e meridional da Europa, elegendo as áreas
temperadas, embora as espécies de latitudes mais altas costumem migrar para o
sul, na época do frio. Sustenta-se de sementes ou de grãos silvestres, também, de
insetos em época de reprodução.
Outrora,
essa ave fora considerada um emblema da resistência, da fecundidade e da obstinação
quanto à sua liberdade. O seu voo denuncia os cardos lilases aonde vai pousar. Símbolo
da paixão e da morte de Cristo crucificado, eles germinam em paragens rochosas,
mormente em solos barrentos, espalhados pela Península Ibérica. As belas flores
são extraídas, no campo, para coagular o leite no outono e no inverno.
Tal
qual o pintassilgo na gaiola, milhares e milhares de indivíduos estão aferrados nas alcovas
da inanição. Dados oficiais da Direção Geral da Saúde, em Portugal, revelam que
de cada 14 famílias, uma não consome nutrições regulares e satisfatórias, por
não ter condições financeiras para adquiri-las. Os últimos números divulgados
pelo Banco Alimentar Contra a Fome (BACF) expõem que existem 120 mil crianças
com fome diária permanente, refletindo esses apontadores que a carência de alimentos,
em 2015, superou, em muito, a de 2012, com um acréscimo de 35 mil crianças
nesse quadro.
Da
população total, 10 294 341 habitantes, 3,7%, quer dizer, quase 380 mil pessoas
estão na penúria, à mingua, e, igualmente, 26%, próximo de três milhões de
portugueses, continuam excluídos da Segurança Alimentar, sem ter quantidade, tampouco
qualidade, de calorias suficientes para sobreviver, levando em conta o salário
mínimo, líquido, mensal recebido.
Assim,
o pintassilgo, como o Pássaro Cativo,
em Bilac, há de cantar: “Solta-me ao vento e ao sol! Com que direito à
escravidão me obrigas? Quero saudar as pompas do arrebol! Quero, ao cair da
tarde, entoar minhas tristíssimas cantigas! Por que me prendes? Solta-me
covarde! Deus me deu por gaiola a imensidade: Não me roubes a minha liberdade
... Quero voar! voar! ...”, patrulhar as nuvens e as campinas e me alimentar!
*Cristiane
Lisita (jornalista, escritora, jurista)
Parabéns pelo jeito poetico e verdadeiro de tecer tais consideracoes. O nosso povo está sofrido e precisa de vozes como esta.
ResponderEliminarBelíssimo Cristiane! Parabéns!
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