Heróis do mar...
A pôr alguma ordem nalguns livros que há muito não via,
deparei-me com o compêndio de história do antigo 5º ano – de
Fins do Lago e Maria José Dinis – Porto Editora e, ao folheá-lo, chamou
a minha atenção esta nota manuscrita no fim de um texto, que lá deixei quando
era “puto”: “Não compreendo como a História glorifica tal gente”!
Li aquilo e fiquei feliz por constatar que, desde miudo, não
engolia a patranha da “obra civilizadora”. De facto, chamar tal coisa ao que
não foi mais que invadir terra alheia para matar, escravizar e roubar, sempre
me pareceu um monumental embuste: E a verdade é que tiramos àqueles povos tudo
em troca do que tínhamos de pior...
O texto, de Eduardo Noronha, refere-se à prisão de
Gungunhana e é o que segue:
“O porte do Gungunhana era altivo e duma arrogância
formidável. Foi com o mais formidável e dominador orgulho que fitou quem o
rodeava.
-És tu o Gungunhana? – interrogou Mouzinho.
-Sim, sou eu, o neto de Manicusse, filho de Muzila,
Gungunhana, senhor das terras de Gaza. Quem te autorizou a vires até aqui à mão
armada?
-O meu e teu rei, a quem tu desobedeceste. Estás preso à
ordem dele.
-Ninguém prende o régulo vátua nos seus domínios.
-Entrega-te à prisão, sem resistência, ou te mando fuzilar
neste mesmo instante.
O Gungunhana relanceou a vista em redor de si, esperando que
alguns dos seus vingasse tão terrível afronta. Nem um braço se levantou para o
defender.
-Olá – determinou Mouzinho – dois homens que lhe amarrem as
mãos atrás das costas.
-Apresentaram-se dois soldados brancos. Mouzinho afastou-os
com um gesto e acentuou.
-Não; brancos não; dois negros.
O régulo ficou num
instante com os braços ligados sobre os rins.
-Agora senta-te – ordenou Mouzinho para o Gungunhana.
-Onde?
-Aí – e o governador indicava o chão.
-Está sujo – redarguiu com desassombrado orgulho o
prisioneiro.
-Sentar-te-ás à força.
E a um aceno os dois negros que lhe tinham atado as mãos
obrigaram-no a sentar-se no solo”.
E os valentões dos ditos “descobrimentos” acabaram por
trazer à força aquele rei africano para Lisboa, condenaram-no a prisão perpétua
e deportaram-no para Angra do Heroísmo, onde morreu anos depois...
Amândio G. Martins
O seu texto é muito interessante porque vem um bom bocado a "contra-vapor" dos tempos de hoje em que os nacionalismos tomam o seu entender como inapelavelmente ético e lógico. Mas a História mostra bem que esta se fez de muita iniquidade, mas, acima de tudo, de muita mudança. E o mundo continua a girar...
ResponderEliminarO seu comentário lembrou-me a filosofia de um "velhote" que em tempos foi meu vizinho, a quem eu "emprestadava" o jornal ao fim do dia. Dizia ele: "Sabe, senhor Martins, o mundo é uma bola que rebola; e a cada volta que dá, altera a "facia" das coisas..
ResponderEliminarOu então "... o mundo pula e avança, como bola colorida entre as mãos de uma criança". Filosofia de que gosto um bocadinho mais embora... seja a mesma.
EliminarE já agora confesso, que o meu avô paterno esteve integrado nas forças que detiveram Gungunhana.
ResponderEliminarEstá "perdoado", senhor Amaral...
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