Orivaldo Jorge de Araújo
em 17/07/2021
Na nos anos
dourados de1960, recém-formado em engenharia civil, recebi a incumbência de
inspecionar construções públicas no meu Estado, Goiás, que nesta época ainda
não tinha sido desmembrado, com a criação de mais um ente federativo que levou
o nome de Tocantins. A Capital Federal, Brasília, encravada em solo goiano, já
era uma realidade.
As mobilidades
nas visitas eram feitas por veículos auto - motores e por pequenos e
malcuidados aviões; com isto, tive oportunidade de visitar a maioria das
cidades que compunham o então extenso Estado. Estas localidades, na sua grande
maioria, eram desprovidas de qualquer atividade de lazer noturna; a única saída
era procurar as alegres casas que abrigavam as mulheres que exerciam a
considerada profissão mais antiga que se conhece. Não faltava nenhum lugarejo,
por menor que fosse, que não as tinha. Costumava anotar os exóticos nomes, dados
pelos locais a estas casas; eis alguns: “sossego”, “puxa-faca’, “fôia”, “faz-me
rir”, “vai quem quer”, “a jiripoca vai piar”, “cê que sabe”, “fazer nenê” e
assim por diante.
Na minha terra
natal, quando ainda criança, era simplesmente chamado de “Pombal” o nome dado à casa mais
representativa desta atividade, que muito lembrava, guardando as proporções, o
famoso Bataclan da novela Gabriela baseada no livro do escritor Jorge Amado.
Situada quase
na divisa com Minas Gerais, herdando costumes e tradições daquele Estado,
carregados dos mais fortes princípios morais e religiosos, grande parte de seus
habitantes considerava a palavra “Pombal” altamente pornográfica e demoníaca,
orientando os filhos a não passar nem próximo daquele “covil da perdição”,
exercendo fortes preconceitos contra as mulheres que lá residiam, tolhendo-as
até de frequentar igrejas, com plena aprovação dos padres. Um fato merece
registro com relatos de pessoas que viveram na época, era chamada “noite do reboliço”,
quando lá aparecia um determinado morador da cidade, em que as mulheres se
negavam a atende-lo, pelo fato desta pessoa estar enquadrada dentro daqueles
dizeres populares: “pé de mesa”, “tripé”, “três pernas”, “se perder uma perna
anda normalmente” e vários outros.
A intolerância
era estendida aos filhos (eram raros), lembro-me bem que um deles, que nem
mesmo sua mãe sabia quem era seu pai biológico, nascera com uma cor de pele diferenciada,
moreno com tom avermelhado, por isto conhecido por “Roxinho”, que teve uma
infância recheada de preconceitos, com falta de interações com outras crianças
por proibição de algumas famílias, sendo discriminado até na escola. Bem mais
tarde o encontrei por mero acaso na capital, onde me afirmou que era um pequeno
empresário, mas notei que não estava confortável com minha presença, talvez por
trazer lembranças não muito agradáveis que teria passado na sua meninice.
Nesta época, a
escola conhecida como grupo escolar, mantinha o chamado curso primário, similar
ao hoje 1º grau. Na parte referente ao ensino, História era composta de duas
ramificações, Geral e do Brasil. Portugal era privilegiado neste quesito, pois
pertencia aos dois ramos, por ter uma história em comum com a nossa.
Quando se
tratava de estudar o Marquês de Pombal, era um verdadeiro “Deus nos Acuda”. Algumas
professoras não se sentiam à vontade, pelo nome de seu título de nobreza, pela
aguçada curiosidade dos alunos e por crença religiosa que ele estaria penando
no fogo do inferno, pela expulsão dos Jesuítas, levando consigo o Rei José I
(bisavó do nosso primeiro imperador D. Pedro I), então rei de Portugal, o qual
servira como secretário de estado, Esquecendo que esta figura histórica se
revelou um grande administrador, sendo responsável pela reconstrução de Lisboa,
após terríveis danos produzidos por um terremoto.
Por aqui é
muito comum, quando se quer dar uma possível solução a um determinado quesito,
e este ficar pior que o original, enquadrá-lo dentro do conhecido pensamento
que tem atravessado séculos: “a emenda ficou pior do que o soneto”. Era caso da
tentativa de mudança de nome do nobre português, para outro seu título de
nobreza: Conde de Oeiras, ou Marquês Sebastião de Portugal.
Diante de tal ridículo, do aparecimento de
outras religiões mais liberais, a evolução da própria igreja católica, com
perda de seus valores fundamentalistas, o Marques de Pombal, por aqui,
conseguiu ficar na história como tal, mas permanecendo o pensamento de que ele estaria ardendo no
fogo do inferno, acompanhado pelo Rei D. José I.
Existe uma tese defendida por renomados historiadores, que a causa principal da loucura da Rainha Maria I, filha de D. José I, se deveu a sua inconformidade com a eterna última morada do pai, por isso ela se mergulhava em infindáveis orações diárias, na tentativa de obter junto as autoridades celestes, um possível passaporte para leva-lo pelo ao menos ao purgatório.
Durante a minha estadia no Brasil, na década de sessenta, viajei muito pela região de nos fala o amigo Orivaldo, como vendedor-viajante. Inclusive pelo seu Estado, em Anápolis e Goiânia. Calcorreei muitas vezes a estrada Belo Horizonte - Brasília. Reconheço a ambiência que descreve. Não sou um saudosista, mas é sempre agradável recordar.
ResponderEliminarCaro José Valdigem
EliminarRecebi com muita satisfação, seu comentário em ter conhecido, este paraíso chamado Goiânia, “A Princesa do Centro Oeste”. Seu nome veio do livro, “Goyania” publicado na cidade do Porto, aí em Portugal, por um estudante brasileiro.
Por falar em saudosismo, lembrei-me de uma passagem marcada na minha linha do tempo: no meu torrão natal, pequena e bela cidade do interior do Estado, existia um português, muito querido pelos habitantes. Por brincadeira, em público, foi lhe perguntado se lá em Portugal as rodas eram quadradas, ele prontamente respondeu sem titubear: “ Eram quadradas, mas quando viram a fotografia do vosso C*, as fizeram redondas”