domingo, 6 de março de 2022

E a Lógica, senhores?


Diz-se que a verdade é a primeira vítima da guerra, mas, a par com ela, vai em derrocada o pensamento racional. Face aos acontecimentos terríveis na Ucrânia, de que temos relato ao minuto, as peças não encaixam dentro das regras lógicas que julgávamos eternas e definitivas. Nada bate certo no alinhamento e arrumação que, para compreender o mundo, fazíamos habitualmente.    

É verdade que, desde o desmoronamento da URSS, já muita coisa não batia certo. Partidos ditos de esquerda, alguns deles comunistas, manifestavam apoio a um dos países mais corruptos, mais ferozmente capitalista. Percebe-se que esse apoio não passava de enfileiramento com os “inimigos dos nossos inimigos”, um princípio altamente questionável, mas que ameaça exponenciar-se em sentido contrário. 

Assistimos, no passado recente, a sucessivas investidas sobre populações indefesas, tanto ou mais que a ucraniana, com sofrimentos televisionados tão chocantes como os que estamos a ver. Diferença fundamental: esta, agora, é ao pé da porta, vê-se da janela, é na Europa.

Acabaram os encadeamentos lógicos. Excepto um, o da condenação quase unânime do mundo à invasão da Ucrânia, sangrenta e inqualificável à luz do humanitarismo, que parece ter agora acordado, tendo estado adormecido durante intervenções igualmente usurpadoras da integridade territorial e populacional de outros países.

Os conceitos estão baralhados. Dissemina-se a ideia de que o pacifismo, neste momento da História, é o belicismo, desde que contra Putin. Que há de mais irracional do que incentivar as populações a armarem-se, suicidariamente, com "cocktails Molotov”, ou exortar os países poderosos a alimentarem a capacidade bélica ucraniana, em nome da Paz? Onde cabe, aqui, o ideal de pacifismo de Gandhi? 

Embora o compreenda, incomoda-me o unanimismo acrítico que se gerou em torno da “questão ucraniana”. Ninguém deixa de condenar a barbaridade da invasão, mas não entendo esta comunhão intelectual na ideia de que tudo o que há a discutir é Putin ter invadido um país soberano e estar a matar ucranianos, e de que quem não pensa de forma tão simplista tem de ser metido na gaveta dos indesejáveis, sem direito a opinião. Nesta matéria, eu aceito tudo, menos sentir-me “castrado” no pensamento.   

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