terça-feira, 24 de dezembro de 2013

Recordações de uma Noite de Consoada


Lá fora chovia e o vento assobiava por entre as frinchas das telhas.

Os beirais gotejavam num copioso choro sem fim à vista.

As casas não eram tão herméticas e confortáveis como as de agora.

E, enquanto minha mãe preparava a ansiada ceia, com couves pencas acompanhando o tradicional bacalhau, mais as batatas e ovos, todos cozidos num pote de três pernas, meu pai amornava o saboroso vinho tinto do Douro junto às cinzas quentes da lareira.

Entretanto, as crocantes e saborosíssimas fritas lêvedas, feitas na sertã postada sobre a trempe no crepitar da lareira, deixavam no ar um cheiro característico da mistura de açúcar com canela, que eram de comer e chorar por mais.

E o mesmo adocicado cheiro exalava das deliciosas rabanadas também confeccionadas pela minha mãe, que Deus lá tem.

E ao serão, chupando coloridos confeitos e jogar ao rapa, tira, põe e deixa, com a rodopiante piasca, animada pelos nossos dedos?

E o crepitar da lareira que nos aquecia o corpo e aconchegava a alma, criando figuras fantasmagóricas, animadas e projectadas nas toscas paredes da cozinha da casa de meus pais?

E o rústico e tradicional presépio que em casa fazíamos, atapetado com o verde musgo que ia buscar aos campos?

E os toscos e muito usados sapatos que deixava à noitinha junto à lareira, na esperança que o Menino Jesus neles pusesse algo que me alegrasse no dealbar do Dia do Natal?

O Pai Natal não existia nesses idos tempos de penúria!

Agora, a penúria é outra e múltipla. É usar e deitar fora o que ainda tinha serventia. Tudo é descartável e ecologicamente pouco recomendável.

Mas, tudo passa, restando somente a saudade desses passados tempos na voragem do tempo.

Oh, Deus meu, como já passou tanto tempo e eu já sem tempo de voltar a esse tempo da minha (nossa) ingénua meninice!

 

José Amaral

 

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