Esta
parábola somente narrada por Lucas (15.11) quase sempre é analisada apenas
quanto à conduta do jovem filho pródigo, omitindo-se a grande maioria dos
oradores e escritores relativamente ao comportamento mesquinho do filho mais
velho.
Disse Jesus
que um senhor possuía dois filhos, e o mais novo lhe pedira parte do que lhe
cabia por herança. O generoso pai distribuiu recursos para ambos, e aquele que
havia feito o pedido partiu para as aventuras do mundo e, depois de esbanjar
todo o seu dinheiro numa vida dissoluta, tornou-se um miserável cuidador de
porcos, trabalhando como verdadeiro escravo, com falta até de alimentos, a
ponto de invejar os animais que comiam fartamente suas alfarrobas (uma espécie
de fruto indigesto). Aí então, entrou em si numa profunda reflexão, e
lembrou-se de que os empregados de seu pai eram bem tratados, por isso resolveu
voltar à casa paterna para, humildemente, suplicar um emprego, e qual não foi
sua surpresa, ao ser recebido festivamente.
O bondoso
patriarca ficou muito alegre por ter reencontrado o filho perdido, enquanto o
outro bastante revoltado reclamava que sempre se mantivera na companhia
paterna, realizando todos os afazeres, e nunca havia ganhado um simples
cabrito, e o estróina, a quem se referia não como irmão, mas como filho do pai,
era festejado até com churrasco de boi gordo, após ter gasto com prostitutas
tudo o que recebera. E o velho progenitor tentou aplacar a revolta do seu
primogênito, dizendo: “Meu filho, você sempre esteve comigo, nunca lhe faltou
nada e tudo o que tenho é seu”.
Esta
parábola é tida pelos exegetas como a expressão máxima da bondade divina, que
sempre acolhe o pecador arrependido, embora aqui não se trate de um simples
arrependimento, mas de uma transmentalização, de uma conversão. Santa Terezinha
afirmava que o “tolo se arrepende e o sábio se corrige”. No presente caso, como
está no texto escrito por Lucas originalmente na língua grega, o jovem entrou
em si e não caiu em si, como aparece nas traduções vulgares, isto é,
houve uma superação do ego humano para uma entrada no eu divino que trazemos
dentro de nós.
A afirmação
dos textos evangélicos, de que há mais alegria no céu quando um pecador se
converte do que um justo se penitencia, refere-se a uma transformação
definitiva, e não a um simples arrependimento.
Segundo o
grande cientista e filósofo Huberto Rhoden, de quem tive a honra de ser aluno,
um dos maiores pensadores cristãos contemporâneos, falecido em 1981, esta
parábola tem um alcance muito profundo, porquanto retrata a “evolução do homem
através de erros para a verdade divina”.
No seu
livro “Sabedoria das Parábolas”, afirma que, de acordo com o texto grego
original, onde aparece a palavra “ousia” (natureza) do verbo “einai” que
significa ser, o filho mais jovem não pede ao pai parte de bens materiais, mas
a parte que lhe cabe no pleno exercício do seu ser, isto é, o direito natural
de comandar a sua própria vida, de vivê-la como lhe aprouver no exercício de
seu livre arbítrio. Pede, afinal, sua emancipação.
O pai não
quis aprisionar o filho e, sem qualquer relutância, o liberou, procedendo da
mesma forma com o mais velho, que preferiu continuar na companhia paterna. Não
houve entrega compulsória de haveres, para nenhum dos filhos, tanto isso é
verdade que, ao contrário, haveria contradição na história, porque, se ambos
houvessem recebido qualquer coisa, não teria dito o mais velho que nunca
ganhara um simples cabrito, a não ser que tivesse obtido o quinhão a que teria
direito, a título de antecipação de herança, e não considerasse isso um
donativo.
O pai
generoso pode ter doado espontaneamente algum recurso para o filho que apenas
reclamou sua emancipação, e este também deveria ter suas economias próprias.
Seja como for, não houve prejuízo algum para o outro filho, até porque as leis
judaicas permitiam o mais jovem pleitear um terço do que caberia ao
primogênito.
Já na
adolescência, queria dizer adeus à infância e ao próprio lar, em busca de
outros caminhos na existência, e, tal como Ulisses da lenda grega que voltou
para casa, depois dos tropeços e suas aventuras, o jovem experimentou os
prazeres mundanos e os castigos do sofrimento, levantou de sua queda e retornou
à casa do pai para ser um humilde servo, com a experiência que o vacinaria para
sempre contra os perigos de uma recaída.
Os caminhos
em busca da evolução para a conquista da autorrealização da criatura humana são
diversos, mas todos devem convergir para o encontro do amor, que resume toda
lei e os profetas, como afirmou o divino mestre. Alguns se dedicam a uma
atividade religiosa produtiva em benefício do próximo, outros se entregam às
tarefas do trabalho de toda espécie para a manutenção da família e há os que
triunfam na perigosa senda das riquezas, colocando-as a serviço do bem da
coletividade, criando empregos para muita gente nas mais diversas atividades. Enfim
é o trabalho, sob o qual estamos protegidos das tentações, como assevera Coelho
Neto, em seus mandamentos cívicos.
Existem
também as ovelhas desgarradas que só aprendem o reto agir após as tortuosas
jornadas do erro, no excessivo gozo dos prazeres, como aconteceu com o chamado
filho pródigo. Teve que passar pelo “pecado necessário” para alcançar a
redenção, como bem expressa o hino “Exultet”, que se canta nas solenidades da
véspera da páscoa nas cerimônias da Igreja Católica: “O felix culpa! O vere
necessarium Adam peccatum, quod talem et tantum meruisti Redeptorem!” (Ó culpa
feliz! Ó pecado de Adão realmente necessário, que tal e tão grande Redentor
mereceste!)
Conforme
Rhoden, “em face da teologia analítica, isto é blasfemo, mas, à luz da visão
mística intuitiva, é sublime. Culpa e pecado simbolizam o estágio evolutivo do
homem através do ego em demanda do Eu. A nossa humanidade da ego-personalidade
está no plano horizontal da “culpa feliz” e do “pecado necessário”, falta-lhe
superar esse plano e atingir a plenitude vertical da sua redenção”.
O tal de
“pecado necessário” não deixa de ser uma rota de redenção, quando o pecador não
mais o pratica, porque nele permanecer seria algo inferior, como desejar
alimento de porcos.
O filho
pródigo ainda não se tornara um homem autorrealizado, mas já tinha a seu favor
a humildade, o reconhecimento dos seus erros e uma verdadeira conversão para
novos rumos de progresso espiritual, enquanto seu irmão, o filho sovina,
permanecia no egoísmo, reclamando recompensas por se julgar bom. Não há coisa
pior que o complexo da virtuosidade. Não há remédio para o doente que acha que
está bem. Temos que superar o inferno de nossas mazelas (ódio, inveja, ciúmes,
etc) e também o céu de nossas virtudes. O amor que nos encaminha para a
autorrealização não exige recompensa alguma. A justiça divina sobrepõe-se a
todos os direitos humanos.
Analisando
a conduta do filho mais velho, sob o título de “o filho egoísta”, assim se
expressa, através da psicografia do famoso médium Francisco Cândido Xavier, o
sábio espírito Emanuel, que teria sido o grande missionário Padre Manoel da
Nóbrega, que veio de Portugal e fundou São Paulo, a maior cidade da América
Latina: “De maneira geral apenas se enxerga o filho que abandonou o lar
paterno, a fim de viver nas estroinices do escândalo, tornando-se credor de
todas as punições; raros conseguem fixar o pensamento na conduta condenável do
irmão que permanecia sob o teto familiar, não menos passível de repreensão.
Observando a generosidade paterna, os sentimentos inferiores que o animam sobem
à tona e ei-lo na demonstração de sovinice. Contraria-o a vibração de amor
reinante no ambiente doméstico; alega, como autêntico preguiçoso, os anos de
serviço em família e desrespeita o genitor, incapaz de compartilhar com ele o
justo contentamento. Esse tipo de homem egoísta é muito vulgar nos quadros da
vida. Ante o bem-estar e a alegria dos outros, revolta-se e sofre, através da
secura que o aniquila e do ciúme que o envenena. Lendo a parábola com atenção,
ignoramos qual dos filhos é o mais infortunado, se o pródigo, se o egoísta, mas
atrevemo-nos a crer na imensa infelicidade do segundo, porque o primeiro já
possuía a bênção do remorso em seu favor” (Livro “Pão Nosso”, 7ª edição,
fls.325/326).
Esta
parábola nos chama atenção para as diversas atitudes diante das coisas
materiais. Há os que vivem na bipolaridade esquizofrênica de não se contentarem
com nada. Ricos ou pobres compram tudo o que veem, acumulando bens
desnecessários. São os estróinas. Existem pessoas que gastam o dinheiro que não
possuem em compras de coisas supérfluas somente para exibição perante a
sociedade de consumo. Por outro lado, há também os que vivem na usura, passando
até privação, para guardarem muito dinheiro.
A filosofia
helênica já proclamava no santuário de Apolo: “Meden agan”( nem mais, nem menos), a ideal situação mediana que passou a figurar no brocardo latino – “in
medio est virtus”, ou seja, a virtude está no meio. Nem o desperdício da
gastança e tampouco a usura de muita poupança. Dizia, porém o cientista e
pensador norte-americano Benjamim Franklin, inventor do para-raios, que para se
tornar rico, não basta saber ganhar, mas sobretudo economizar.
A sabedoria
popular, entretanto, segundo afirma a humilde senhora Noêmia Teodora Machado
(dona Tita), mãe do ilustre médico, professor e orador, Dr. Delfino Machado, “ser rico não é bom e ser pobre não presta, o
melhor é ser remediado”: eis o meio termo dos filósofos gregos. Na introdução
do Sermão da Montanha, proclama Jesus que deve haver um desprendimento, tanto
das coisas que possuímos, como das que desejamos possuir. É o espírito de
pobreza e não pobreza de espírito. Bem -
aventurados os pobres pelo o espírito ou em prol do espírito. Em latim a
palavra aparece no caso ablativo- “spíritu”, em grego, no dativo-“pneumati”=
para o espírito, e nunca no genitivo de ambas as línguas citadas.
Conforme o
filósofo chinês Lao-Tse, que viveu seis séculos antes de Cristo, rico é quem
vive contente. E o apóstolo Paulo, na carta aos Filipenses (C.3.v.10), declara
que aprendeu a viver contente em toda e qualquer situação. Interessante
observar, então, que viver contente é um aprendizado e, portanto, tal coisa
deve ser aprendida por todos nós, para sermos felizes.
Artigo publicado no jornal Diário da Manhã de Goiânia- Estado de Goiás, Brasil- dia 02/09/2016, caderno Opinião Pública, fl. 5. Site do jornal: dm.com.br edição impressa
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