Cruzo contigo, enquanto empurras
o carrinho do teu bebé, com outra criança pela mão e ainda outra que se agarra
às tuas calças velhas e largas do fato de treino; talvez a roupa com que
fugiste do calvário onde vivias; talvez que seja a roupa mais confortável por
ser velha e ser larga. Talvez que o novo te assuste e o justo te sufoque o
corpo, porque a alma ainda está muito sufocada; talvez….
Cruzei contigo e vi no teu olhar
desconfiado a revolta contra a situação que te trouxe até ao lugar onde passamos
lado a lado.
Quase adivinho o que levas no
pensamento! Sei de onde vens e para onde levas os teus pequeninos!
Por uma regra assumida muitos anos
atrás, não me permito dizer aqui, de onde vens e para onde vais.
Mas eu sei e ainda sinto como é
duro o caminho, embora curto, que percorres agora.
Como é pesada essa carga que
levas nos ombros.
E sei também, como gostarias de abandonar
tudo, até às vezes a própria vida, tal o sofrimento que te trouxe até onde
moras agora.
Mas depois… olhas os teus filhos
e nasce uma força que tu não sabes explicar e que te ajuda a dobrar a próxima
esquina, onde vais deixar os teus meninos para que respirem um ar de
normalidade.
Sei tudo isso, sim! Se me
perguntares como (e sei que nunca me irás perguntar), dir-te-ei que sei porque
também fui uma vítima de violência doméstica acolhida na mesma casa de onde
vens.
Também não te direi, porque
apenas me cruzei contigo e não sei quem és, teu nome e tua história, mas se te
pudesse dizer, apenas te diria que tudo vai correr bem!
Dir-te-ia, que amanhã o sol volta
a nascer e tu só precisas ter a força para acordar.
Que esta é apenas uma
adversidade que tu vais ultrapassar com fé no amor dos teus filhos e com a
ajuda que procuraste.
Que ainda vais a tempo de recuperar
os teus sonhos!
Que a vida vale a pena, o mundo
vale a pena e ninguém tem o direito de nos roubar a alegria!
“Das pedras que me atiraram fiz meu castelo”
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