O fadário das águas portuguesas
*Cristiane Lisita
No poema Mar Português, Fernando Pessoa escrevera: “Ó mar salgado, quanto do
teu sal são lágrimas de Portugal! (...) Valeu
a pena? Tudo vale a pena, se a
alma não é pequena. Quem quer passar além do Bojador, tem que passar além da dor. Deus ao mar o perigo e o abismo deu, mas foi nele que espelhou o céu”. O primeiro registro de passagem pelo Cabo
do Medo é concernente ao navegador português Gil Eanes, em 1434. Local que
ensejou lendas de monstros, em razão dos naufrágios de várias caravelas.
As explorações marítimas
iniciaram-se com a expedição de 1279, alcançando as Ilhas Canárias.
No entanto, entre 1415 e 1543, a partir da conquista de Ceuta, na África, foi que
o apogeu se refletiu no avanço científico e tecnológico, delineando outro mapa
mundial, por causa de apossamento sobre os novos solos.
O
país, em diversos sentidos, tem afinidade com o mar. Diga-se que detém mais de
92.000 quilômetros quadrados fora de água, enquanto o território debaixo de
água quase alcança a casa de 3,8 milhões de quilômetros quadrados, ou seja,
quarenta vezes superior ao terrestre. Possui a terceira maior costa da Europa e
uma localização estratégica como ponte entre esse continente, África e América.
Em
2009, Portugal entregou proposta para alargar a plataforma continental na
Comissão de Limites da Plataforma Continental regulados pela Convenção das
Nações Unidas sobre o Direito do Mar, apesar de tão-somente esse ano o comitê
nomeado avalie o requerimento, que, aprovado, vai calhar sobre a jurisdição de
um fundo de mar que ultrapassará os 1,4 milhões de quilômetros quadrados
antevistos. Até 2017 um adendo será sobreposto reforçando a tese de maior área
sob a soberania nacional.
Mas
a que se destinarão essas possessões? A nova corrida por mineração no fundo do
mar acende muitos questionamentos. A ONU, através da Autoridade
Internacional do Leito Oceânico, acenou para a concessão de licenças para
empresas que estejam interessadas na exploração dos oceanos, com o intuito de aproveitamento
das pequenas rochas materiais como níquel, cobre manganês. Lembrando Alvin
Toffler, estamos diante da quarta onda, na qual as nações não têm conseguido
traçar metas adequadas para a sustentabilidade ambiental.
A
extração, marítima, dos recursos minerais pode pôr em grave risco de extermínio
distintos ecossistemas e toda essa fonte de energia esgotável. Lembre-se dos
noticiários da imprensa nacional relativo à poluição das águas costeiras, e dos
rios, que afetou comunidades de golfinhos, detectados, há pouco tempo, com
elevados índices de mercúrio: um dos maiores da Europa.
Estudiosos
denunciam que cerca de 60% dos peixes típicos de rios e lagos de água doce do
país podem se extinguir. No que toca à cidade de Amarante a contaminação do Rio
Tâmega está matando peixes, todos os anos. No rio Ardila, no Concelho de Moura,
as espécies mais resistentes como as carpas estão fenecendo; incluso na zona do
Porto de Santo Amador, um grande desastre ambiental pode ser verificado, em
razão da má qualidade da água, com baixa oxigenação, devido a redução do caudal
do rio. Na Barragem da Taleigueira, em Castelo Branco, o mesmo sucede. Em
Alpiarca, a proliferação de algas encurta a vida desses cardumes e coloca em perigo a
saúde humana.
Que
fadários terão essas águas? Aumentar a plataforma continental exige consciência
de que é preciso resguardar a natureza para as gerações futuras. A propósito,
pra onde correrão os tantos rios de mercúrio e de telúrio das fábricas? Quantos prejuízos mais, além da poluição dos lençóis
freáticos, há de trazer o agronegócio insustentável? Pra onde correrão as águas
e, quiçá, as nossas pranteias se não cuidarmos daquelas? Reiterando Pessoa: “Ó
mar salgado, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal!”.
*Cristiane Lisita (jornalista, escritora, jurista).
Um belo e histórico artigo, para além de científico. Como de costume, a nossa professora brinda-nos com mais uma pérola literária. Obrigado.
ResponderEliminarFaço minhas as palavras do amigo Tapadinhas e acrescento o seguinte: não sei se a Cristiane tem acesso aos nossos comentários, ela não podia era fazê-los. Agora este excelente texto faz-me lembrar o dito; dá Deus nozes a quem não tem dentes. Ou seja, claro que não somos só nós, os portugas, mas esta exploração desenfreada das potencialidades do planeta e a consequente poluição do mesmo, associado às guerras por enquanto com armas convencionais... e a crise moral a todos os níveis ( reparem nesta fantochada da eleição do SG da ONU com o aparecimento desta candidata búlgara apoiada pela Merkel...e não só, tudo isto, Deus queira que nos enganemos, não terá bom fim. Aliás, não sei se foi o amigo Amaral ou o Tapadinhas ou os dois, que já aqui disseram que esta civilização está a dar o berro. Obrigado Cristiane por mais esta reflexão e informações. Um abraço a todos/as!
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