domingo, 11 de fevereiro de 2018


Ancestral sabedoria


Ainda sou do tempo em que, nas aldeias, todas as famílias faziam em casa o pão que comiam, alimento fundamental. Depois de preparada a farinha, por moagem do milho, o cereal que mais se produzia por estes lados, amassava-se com água fervente, deixava-se levedar, aquecia-se o forno de pedra à temperatura  pretendida e colocavam-se lá dentro as broas que coubessem.

Quando, após o tempo suficiente de cozedura, se abria a porta do forno, aquele aroma  fazia com que uma broa ainda quente fosse logo devorada, partida sem faca, pelas ranhuras abertas na côdea, sem ser preciso acompanhamento. Hoje não haverá, na aldeia toda, mais de meia dúzia de casas que ainda fazem pão, preferindo colocar no portão um saco à espera que passe o padeiro...

De facto, mesmo naqueles casos que ainda cultivam milho, a menos que haja um idoso que não prescinde de fazer pão tradicional, todo o cereal produzido vai para alimentar animais, sobretudo aves e porcos, que lhes dão uma carne mais rija e saborosa.

Diz Carlos Coelho, no caderno Dinheiro Vivo, do JN, que já ninguém quer fazer pão. Os moinhos foram parando, os moleiros emigrando, e os padeiros que ficaram desqualificaram aquilo que fazem na vida, passando a ser apenas parte de uma engrenagem onde basta juntar água para fazer fermentações instantâneas.

A artesania do pão deu lugar à indústria da panificação, onde até o cheiro é artificial; o “nosso” pão, cheio de trigos franceses e fermentos holandeses, ficou a saber a uma Europa empenhada em neutralizar os nossos recursos endógenos.

Mas temos tudo para recuperar a tradição e voltar a ter o melhor pão do mundo. Trabalho, tempo e fermento da imaginação é tudo o que precisamos para trazer de volta o nosso pão e fazer dele uma grande marca.


Amândio G. Martins

2 comentários:

  1. Um texto como seu leva-me sempre ao "entalanço" interior. Às suas recordações dos fornos, junto-lhe a minha de, na casa dos meus avós paternos, se calafetarem os mesmos com "bosta de vaca". Mas...lembro-m também que era nesse tempo que os sino tocava amiúde porque lá ia mais um "anjinho" para o céu...

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  2. Já que fala no pormenor da "bosta", que não referi para não prolongar mais o texto, confirmo que, na maioria dos casos, também era assim, embora algumas pessoas usasem barro amassado, só que este rachava com a secura e deixava saír o calor, e a caca da vaca nunca secava em profundidade e estava sempre pronta. A propósito conto uma cena que fez rir muita gente na altura. A minha mãe, já velhinha, não tinha vacas; assim, sempre que fazia pão, ia buscar às cortes de uma irmã vizinha o referido "ingrediente". Tinha a minha tia um neto, de uma filha que vivia em França e estava de férias que, vendo a minha mãe carregar com o balde da "coisa" perguntou para que era e ela, sem grandes explicações, disse-lhe que ia fazer pão! O miudito, enquanto se foi lembrando, contava a toda a gente que "a tia Lucinda fazia pão com "merda" de vaca...

    Nesses difíceis tempos, que à juventude de hoje nem passa pela cabeça que existiram, sem meios, sem assistência mínima, a mortalidade infantil era muito grande, havendo em todos os cemitérios o chamado "talhão dos anjinhos".

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