Mesa da fraternidade...
Com o título “Morrer à mesa”, o Padre Francisco Martins S.J.
escreveu no JN um texto bonito, de que me atrevo a “roubar” alguns
apontamentos:
(...)
“Somos filhos e filhas da sociedade mais sentada da
história. São muitos os que todos os dias passam longas horas à mesa: a da
escola ou a do trabalho. Nunca se viveu tanto à mesa. E, contudo, com uma
ironia quase cruel, esta exponencial multiplicação das mesas transformou a mesa
numa paródia dela mesma: sentamo-nos em mesas onde só há lugar para um. O lugar
do encontro, da partilha, do ruído, tornou-se ícone do indivíduo absorto no seu
trabalho, separado do mundo e dos outros, com os olhos num ecrã.
A escrivaninha matou a mesa e nós vivemos bem com a ideia.
Aliás, já nem nos lembramos deste crime. Se assim não fosse, a imagem do
presidente Trump a assinar a ordem executiva destinada a excluír tantos da mesa
da humanidade com base no país de proveniência, sentado numa pequena escrivaninha
diante das câmaras, ter-nos-ia inspirado mais que um resignado silêncio de quem
já não se surpreende com nada.
É urgente, por isso, fazer o elogio da mesa.Da mesa
autêntica, daquela onde há lugar para todos e a palavra é livre. Porque a tentação,
talvez a maior do nosso tempo, é de só nos sentarmos em mesas à medida da nossa
mesquinhez, onde os lugares estão contados e o “ libreto” para a conversa
pré-definido. Ninguém destoa e tudo corre pelo melhor. Pelo contrário, a mesa
verdadeira é um lugar que pode tornar-se perigoso, sobretudo para as nossas
certezas. É aí que o encontro com o outro, com o diferente, pode “dinamitar” o
castelo de ideias e preconceitos que construímos à nossa volta.
Não dá para furtar-se ao diálogo, ao genuíno trocar de
olhares e de palavra, e isso é uma experiência radical sem paraquedas. Faltam-nos
mesas destas no espaço público, uma cultura da mesa. É mais fácil falar da
tribuna ou do púlpito. E, mais ainda, gritar slogans ou insultos, nas ruas como
nas redes sociais. Somos nós, é a nossa voz e os outros são ouvintes ou
vítimas, pouco importa, desde que estejam calados ou nos aplaudam. Pelo
contrário, na exigente disciplina da mesa, é preciso tomar a palavra e deixá-la
também ao outro”. (...)
Amândio G. Martins
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