NOTA: este texto foi escrito na noite das primárias no Iowa, mas considerando os resultados lá a sobretudo agora os de New Hampshire, parece-me pertinente partilhar.
a quem tiver a pachorra de ler, agradeço desde já...até porque o texto é longo :)
Graça
Winston Churchill disse um dia que “A democracia é a pior de todas as formas de governo, excetuando-se as demais.”
Esta frase, que nada tem de enigmático mas tem muito de substância, tem sido ao longo dos tempos e sobretudo no mundo ocidental um ícone do liberalismo político, económico e social e creio que qualquer pessoa medianamente interessada nestas coisas da Sociologia Política já refletiu sobre ela.
O problema é que, apesar de ser o “mal menor”, a democracia por vezes pode ser como dizia Oscar Wilde — “ o desencanto do povo, pelo povo, para o povo”, e mais do que isso pode ser uma ferramenta poderosa de propagação da imbecilidade.
Perguntar-se-ão os leitores a propósito de que é que eu estou a fazer estas considerações.
Bem, a génese da reflexão poderia ser infinita e poderia ilustrar o que acabei de dizer com inúmeras situações que ocorrem diariamente no mundo democrático e que espelham exatamente isso, mas na verdade estas duas personalidades, Churchill e Wilde vieram-me à cabeça quando me predispus a ver parte um comício de Donald Trump que teve como convidada de honra Sarah Palin. Tão surreal e perigoso que merece comentário e reflexão.
Se a mera existência de Donald Trump como candidato à sucessão de Obama já é, por si só, surreal, colocar no mesmo palanque estas duas personagens de folhetim e ver uma urbe em êxtase a aclamá-los é verdadeiramente perturbador e preocupante. Tanto, que me faz lembrar uma conhecida frase do enorme Jorge Luis Borges – “A democracia é um erro estatístico, porque na democracia decide a maioria e a maioria é formada de imbecis.”
Não querendo ofender ninguém, eu inclusive que também voto, com uma interpretação literal da frase anterior, a verdade é que a multiculturalidade americana, que não pratica a inclusão mas sim apenas a integração, tem tido como consequência a emergência de uma sociedade altamente fragmentada, fértil em antagonismos e assimetrias sociais assustadoras.
Juntando a um cenário destes o facto dos americanos serem por natureza um povo, como direi, “estranho” em termos da sua organização social sistémica, arreigado a preconceitos, muitíssimo moralistas mas com uma desmesurada incidência em disfunções e adicções, ficamos com a receita perfeita para serem vítimas fáceis de manipulação.
Muitas pessoas se questionam sobre o facto de Donald Trump estar à frente nas primárias do partido republicano e continuar a capitalizar apoios de diferentes quadrantes mas sobretudo da população anónima. Questionam-se e questionam-se muito bem porque o homem é um completo mentecapto. Um mentecapto muito rico é verdade, mas um mentecapto e mais do que isso, um mentecapto perigoso que está a jogar eficazmente todas as suas fichas ( como num jogo de póquer ) num cenário que, infelizmente, capta muita gente – o medo.
Donald Trump surge na frente dos aspirantes à candidatura republicana, não por ser milionário, não por ser excêntrico, não por ser o típico americano, mas porque soube interpretar e explorar bem os medos de muitos americanos atualmente: o medo dos refugiados, dos terroristas islâmicos, a ascensão comercial dos países emergentes e os perigos do desemprego daí decorrentes, entre outros.
A “ditadura” do medo assume assim de forma subliminar na, supostamente, maior democracia do mundo, uma dimensão nunca vista, com uma eficácia que só tem que preocupar quem, no meio da insanidade em que o mundo se está a transformar, ainda consegue manter alguma lucidez.
O povo americano, como sabemos não prima por ser um povo culto e muito menos por ser um povo que “pense”. Na realidade um povo que se educa e estrutura a sua personalidade através de reality shows sobre todas as matérias e mais uma ( relembro apenas a série/ documentário Cops ou a Casa das Desavergonhadas ), através de “stand up comedies”, de concursos e séries de culto; um povo que todos os dias se confronta com mortes por posse de armas e mesmo assim considera normal que se ande de arma à cintura para defesa pessoal; um país cheio de preconceitos absurdos e moralismos duvidosos porque apenas de retórica e não de praxis; um país com uma das maiores taxas de obesidade mórbida do mundo e que contínua a considerar a junk food um dos seus elementos identitários é seriamente um caso de estudo, mas no qual não me parece que seja assim tão difícil perceber a aceitação e ascensão meteórica de pessoas com o perfil de personalidade de Donald Trump.
Caso seja eleito, Trump promete “fazer os Estados Unidos grande outra vez” – como se ele tivesse deixado de ser o país mais poderoso do mundo – e propõe soluções “simples” para isso: deportar 11 milhões de imigrantes sem documentação, proibir a entrada de muçulmanos no país e forçar os governos das economias emergentes a recuar na sua tentativa de entrar no mercado americano ( como se eles não estivessem já lá com as suas Adidas, Nike, e “nnnn” marcas conceituadas de roupa e acessórios, produzidas por crianças numa total escravidão e consumidas avidamente pelas elites e copiadas por milhões ).
E o povo aplaude, ébrio de esperança em algo que nem sabe bem o que é mas que lhes restaura momentaneamente o ego enquanto nativos da proclamada mais poderosa nação do mundo.
Vivemos tempos perigosos é verdade, mas é bom que percebamos que os fundamentalismos não vêm todos dos lados do Islão. Os ditos países do primeiro mundo, não estão menos contaminados e Donald Trump é um vírus tão perigoso quanto o Zika – primeiro infiltra-se no imaginário dos americanos, depois contamina e só mais tarde irão aparecer as consequências.
Tem tudo para correr mal – queriam os “deuses” que a sua candidatura não vingue. O mundo agradece.
À hora a que envio esta notícia, a 2 de Fevereiro, acabam de sair os primeiros resultados – Trump perdeu no Iowa para Ted Cruz – uma réstia de esperança se esboça.
Aguardemos… atentos.
Graça Costa
Socióloga
http://www.tomartv.com/2016/02/o-fenomeno-trump-opiniao/
A Graça terá querido dizer Jorge Luís Borges, não José. E concordo com a frase, cada vez mais...infelizmente!
ResponderEliminarque estupidez a minha - claro que é do Jorge Luis Borges. Peço desculpa
Eliminarvou alterar com a sua permissão . Obrigada.
EliminarO grande problema é o da condição humana, que tem avanços e recuos nas sociedades. Os Estados Unidos da América são uma criação dos europeus, e sem grandes aprofundamentos do tema, podemos dizer da Grã-Bretanha. É um conjunto de estados unificado há precisamente 145 anos, pois só em 1871 os estados do Sul foram integrados na União. Como se fora um novo mundo recebeu povos de outros continentes, especialmente da Europa e da vizinha América do Sul, que já antes tinham chegado de África. A América é um país difícil de catalogar e pela heterogeneidade dos seus habitantes não há um padrão de procedimentos. O Trump é um americano estúpido mas bem sucedido porque é milionário. O dinheiro é hoje o sangue que corre nas veias da sociedade e quem o tiver, e muito, é admirado pelos seus semelhantes que lutam afanosamente para o ter. Os preconceitos já eram. Nos países da civilizada Europa, infelizmente, os modos de pensar e agir não são assim tão diferentes dos americanos. Vejamos o fracasso em que se está a transformar a União Europeia que tem apenas algumas décadas. A dita civilização percorre um caminho errado onde se auto-destrói. É da História. Os meus cumprimentos, e parabéns, por tão profunda reflexão sobre as eleições americanas.
ResponderEliminarmuito obrigada pelo seu generoso contributo, tão cheio de "substância".
EliminarQuase de certeza, acho eu, este texto da amiga Graça, foi o mais útil que já li neste blogue. Já aqui disse que estive nos EUA ainda muito jovem, mas deu para perceber a arrogância e a ignorância de grande parte daquele povo ( não vi outro assim aqui na Europa, amigo Tapadinhas) e a Graça diz-nos, de uma forma magistral, baseada na sua formação técnica.Portanto,se aquele país já fez tanto mal ao mundo, imagine-se com um energúmeno daqueles ao seu leme. Logo, este texto é utilíssimo sobretudo se o expandirmos. Não é apenas os EUA que estão em causa, é todo o mundo. Muitos parabéns amiga!
ResponderEliminarBom dia caro amigo.
EliminarFico muito grata pelo seu contributo e concordo inteiramente consigo. Considerando o poderio daquela nação, temos mesmo que nos preocupar.
Bem haja e obrigada
Os Estados Unidos são 50 estados e um DC, onde está a capital, e nem todos têm o mesmo código penal, havendo legislação diferente. Não se pode pôr cargas negativas num povo que veio à Europa ajudar a livrar-nos do nazismo e isso não foi assim há tanto tempo. Pela defesa das oito horas de trabalho morreram alguns americanos e a estátua da liberdade é um dos seus símbolos. A luta pelo fim da escravatura, embora fosse uma luta interna,foi um bom exemplo de civismo. Eu, apenas de visita turística, estive nalguns estados americanos, e não tenho conhecimento suficiente para analisar este enorme país. Seria quase uma tragédia se Trump vencesse as eleições, mas isso é uma consequência das regras democráticas, que nem sempre funcionam inteligentemente. A nossa colega Graça dá algumas definições de democracia, que sendo pensadas por homens de reconhecido mérito e inteligência, não são literalmente concordantes. As civilizações têm avanços e recuos e isso é consequência da instabilidade humana. Se o homem fosse perfeito, a vida na terra, passados tantos séculos, já devia ser o paraíso. Continuo sempre a considerá-lo, e isso não implica que estejamos sempre de acordo na apreciação de algumas situações concretas, mas, no final, ambos lutamos, à nossa maneira, por um mundo melhor.
ResponderEliminarBom dia. Nada do que diz está em causa nas minhas palavras. Os estados Unidos podem ter feito , e fizeram tudo aquilo que refere, mas não foi " for free" - tinham interesses claros nisso até porque a economia do USA é muito baseada na economia de guerra, como sabe. No entanto nada do refere rebate, na minha modesta opinião, a contextualização que faço do fenómeno Trump e que considero muito preocupante para a América e para o mundo.
EliminarObrigada pelo seu contributo.
A consideração, entre nós é mutua. era o que faltava se pessoas de bem ( e é assim que o considero) não admitissem discordâncias. Também concordo que há tanta gente boa nos EUA. E já aqui escrevi: honra e glória a todos os que tombaram e se bateram contra a besta nazi. O desembarque dos americanos, e não só, na Normandia, foi um grande contributo. Mas o decisivo, o que golpeou de morte o nazismo, foi a acção do exército da então URSS.
ResponderEliminarCom essa mentalidade melhor fazia se estivesse calada, ou melhor dizendo, fazer qualquer coisa de útil à sociedade como por exemplo: varrer uma rua.
ResponderEliminarCom todo o respeito, o senhor conhece-me de algum lado para ser duma falta de educação e grosseria dessas ? Eu sei do que falo . O senhor pode não concordar mas não lhe admito que me ofenda. É por existirem pessoas como o senhor que não acrescentam nada à discussão , mas se limitam a ofender quem o faz, que o exercício da cidadania em Portugal é a pobreza que sabemos.
EliminarTenha um muito bom dia.
O seu artigo possui tantas mentiras que só pode ser por ignorância ou má intenção.
EliminarComo tal é uma perda de tempo ler mais algum artigo seu.
Quanto ao resto,vacas sagradas,só na republica indiana.
Este escrito da Graça Costa não é um artigo, é propaganda comunista. Algo em que o blog da girafa claramente se especializou.
ResponderEliminarhttp://www.dinheirovivo.pt/outras/professor-de-harvard-compara-ascensao-de-trump-com-a-de-hitler/
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