PÚBLICO, Provedor,
caso Francisca Van Dunem
(segunda, 8 Fev. 2016)
José Manuel Paquete de Oliveira
1.Chamarama atenção para uma profunda
discordância com a suposta insinuação do PÚBLICO do caso de a ministra
Francisca van Dunem ter exercido infl uência para a obtenção de um visto gold de um seu sobrinho.
Escreve
o leitor Augusto Küttner Magalhães:
“Parece
haver necessidade de puxar à primeira página do PÚBLICO algo que vai seriamente
envolver a ministra e felizmente, e de facto, nada envolve. (...)
Mas,
no caso de artigos como o referido, sinceramente digo que nunca devem aparecer
no PÚBLICO e muito menos na primeira página. E não é censura. É não qualidade e
não-necessidade.”
A
leitura dos dois textos suscitou-me claros equívocos pouco coerentes com a
prática deontológica que deve caracterizar a informação do PÚBLICO. Os
respectivos textos-notícia foram publicados em
22.01.2016
e 31.01.2016.
Solicitei,
por isso, explicações à jornalista autora das notícias, Ana Henriques.
2.As explicações de Ana Henriques:
“Não
me compete, como decerto saberá, tomar decisões sobre as matérias que são ou
não alvo de destaque na primeira página. (...) Penso que estaremos todos de
acordo sobre o facto de os jornais não escreverem exclusivamente sobre
situações que comprovadamente constituem crime/ilegalidade, ou seja, sentenças
que já transitaram em julgado.
A
existência de suspeitas fundamentadas (...) é também — e bem — frequentemente
alvo da atenção dos jornalistas. E os autos de um processo que ainda não chegou
a julgamento incluem documentos onde qualquer jornalista pode encontrar matéria
interessante para noticiar. (...) Vejamos então a situação concreta: numa
primeira consulta ao processo, encontrei indícios de que a ministra da Justiça,
Francisca van Dunem, tinha recorrido aos bons préstimos do principal arguido do
caso dos vistos gold
para tratar de um assunto relacionado com a obtenção da nacionalidade
portuguesa de um familiar. Confrontada com a situação pelo PÚBLICO, a
governante em causa, telefonou-me para explicar o que se tinha passado,
confirmando os factos em causa — razão pela qual incluí esta explicação num
artigo que fi z sobre esta e outras situações que configuravam casos de maior e
menor gravidade no processo em apreço. Numa segunda consulta que efectuei ao
processo, encontrei indícios de um segundo caso envolvendo igualmente a
ministra em questão: escutas em que o principal arguido do caso se queixa de
estar a ser pressionado pela então procuradora-geral distrital de Lisboa,
Francisca van Dunem, para a obtenção da nacionalidade portuguesa por um outro
familiar seu.
Como
da primeira vez, questionei o gabinete de imprensa do Ministério da Justiça. Só
que recebi de volta uma não-resposta, que incluí, como é evidente, no artigo em
causa. Fiz ainda mais algumas diligências no sentido de apurar a veracidade das
afirmações que constam das escutas da Polícia Judiciária: contactei o
requerente de nacionalidade portuguesa, que disse que duvidava que Francisca
van Dunem tivesse intercedido por ele, embora não estivesse 100% certo de que
isso não tivesse acontecido — afirmações que incluí igualmente no artigo —, e
tentei, sem sucesso, falar com o advogado do arguido em causa.
Perguntar-me-á:
perante este cenário seria de publicar a notícia em causa? Na minha opinião,
sim. Porque todo o processo dos vistos gold inclui
suspeitas de tráfico de influências — bem como outros crimes de maior gravidade
— na cadeia hierárquica da administração pública.
Temos
entre os arguidos um ministro e vários altos dirigentes do Estado. Porque uma
não-resposta, perante afirmações desta gravidade (as que constam das escutas),
não deixa de ser significativa. E, por fim, porque no caso que noticiei
anteriormente a própria ministra me havia reconhecido que as afirmações do
principal arguido do caso correspondiam à realidade — e não a mera gabarolice.
Não
se trata de uma insinuação, portanto. Trata-se de dizer aos leitores que o
principal arguido deste processo se queixou de ter sido pressionado por uma
alta magistrada portuguesa. E trata-se também de dizer aos leitores que,
segundo a análise feita pelas autoridades sobre esta atribuição de nacionalidade,
o requerente não tinha, à altura, direito a ela.
Diz um dos leitores que ‘nada envolve’
Francisca van Dunem. Terá ele conhecimento privilegiado do processo, para o
poder afirmar com tanta certeza? Permita-me duvidar. Quanto a mim, não tenho
certezas. Reuni informação sobre o assunto e questionei todas as partes envolvidas
no sentido de chegar a uma conclusão. O resultado é o artigo publicado, cujo interesse
jornalístico penso ser sustentado. Mais de 24 horas depois da sua publicação,
sentiu o gabinete de imprensa da ministra necessidade de dar uma explicação
sobre o assunto. Acrescentei-a na versão online do
artigo em causa, lamentando que essa explicação não tivesse chegado antes. Nota
final: não sejamos ingénuos. Os gabinetes governamentais silenciam
frequentemente respostas a todo o tipo de questões dos jornalistas numa
tentativa de impedir a publicação de artigos que entendem poder ser-lhes menos favoráveis.
Quando não conseguem os seus intentos, nem sempre reagem da melhor forma — mas
o jornalismo é também ter de lidar com esse tipo de
estratégias, por muito que a sua opacidade não devesse fazer parte do
funcionamento democrático das instituições.
3.Comentário do provedor:
a) Eu bem sei que, normalmente, o autor das
peças não tem responsabilidade nos títulos ou chamadas da 1.ª página, mas isso
não implica que, mais uma vez, o provedor não recomende aos responsáveis
editoriais que evitem tais procedimentos.
Este título falta à verdade. A atractividade
dos títulos nunca pode ferir a veracidade dos factos.
b)
Identificar como ministra a suposta interventora no caso ocorrido em 2013,
qualidade que só viria a adquirir dois anos depois, comporta uma falta de
rigor.
c)
Ora, é nessa qualidade de ministra que Ana Henriques vai reportar todos os
indícios (?) de intervenção que encontrou. Van Dunem seria então, não ministra,
mas procuradora-geral distrital de Lisboa.
Uma
incorreção lamentável. E grave.
d)
Estou de acordo que a existência de suspeitas fundamentadas, e com interesse
público, sejam objecto de tratamento por parte de jornalistas. É uma das formas
de separar os caminhos da investigação jornalística da investigação policial.
Mas deduzir que há matéria interessante para noticiar, quando a própria Ana
Henriques acumula dúvidas quanto às afirmações do arguido (defesa própria,
gabarolice?) e às incertezas do eventual beneficiado da intervenção, exige
maior precaução.
e)
Nas duas notícias há evidentes contradições. Foi pena Ana Henriques não ter
conseguido ouvir o depoimento da advogada Paula Godinho. Na caixa da pág. 27
diz-se: “Quem é escutada a meter
a
cunha é uma advogada.” Por sua vez, na legenda da gravura da Van Dunem,
escrevesse com todas as letras: “Não há qualquer intervenção de Francisca van
Dunem sobre os telefonemas de António Figueiredo interceptados pela
investigação”.
f )
O espaço de que disponho rouba-me exprimir outros comentários. Mas, a título de
conclusão, quero lembrar o n.º 14 do Livro de Estilo do PÚBLICO: “O prestígio e
a imagem profissional e política são um valor garantido no PÚBLICO. Todas as
referências a situações desprestigiantes ou desfavoráveis devem ser sustentadas
de forma rigorosa
(...).”
E o n.º 16 estabelece: “Em todas as circunstâncias, o PÚBLICO revela, apura,
divulga; jamais denuncia ou persegue.”
g)
De qualquer modo, estou de acordo com Ana Henriques, os gabinetes ministeriais
deveriam ser mais explícitos e menos sofistas quando interpelados.
O Público não pode descer ao nível do Correio da Manhã, que vive e alimenta-se do diz-se diz-se. Devia ter mais cuidado nas informações porque de enredos estamos todos fartos.
ResponderEliminarTem toda a razão, o Público so existe como Público com qualidade e sem estes sensacionalismos, ainda para piorar NÃO VERDADEIROS.
ResponderEliminarMas o grave é que a senhora jornalista em questão, pelas respostas que deu ao Provedor m deixou a ideia de não se ter arrependido pelo que de errado escreveu.
Ou seja, quem nos garante que nao se repita.
E o Público não aguenta sensacionalismos. ..
Acaba...
Mas
Muito bom haver o Provedor que está de parabéns pela Sua atuação
Augusto Kuettner de Magalhães