quarta-feira, 10 de fevereiro de 2016

Ambiguidades deontologicamente desnecessárias


PÚBLICO, Provedor, caso Francisca Van Dunem
(segunda, 8 Fev. 2016)

José Manuel Paquete de Oliveira
1.Chamarama atenção para uma profunda discordância com a suposta insinuação do PÚBLICO do caso de a ministra Francisca van Dunem ter exercido infl uência para a obtenção de um visto gold de um seu sobrinho.

Escreve o leitor Augusto Küttner Magalhães:

“Parece haver necessidade de puxar à primeira página do PÚBLICO algo que vai seriamente envolver a ministra e felizmente, e de facto, nada envolve. (...)

Mas, no caso de artigos como o referido, sinceramente digo que nunca devem aparecer no PÚBLICO e muito menos na primeira página. E não é censura. É não qualidade e não-necessidade.”

A leitura dos dois textos suscitou-me claros equívocos pouco coerentes com a prática deontológica que deve caracterizar a informação do PÚBLICO. Os respectivos textos-notícia foram publicados em

22.01.2016 e 31.01.2016.

Solicitei, por isso, explicações à jornalista autora das notícias, Ana Henriques.

2.As explicações de Ana Henriques:

“Não me compete, como decerto saberá, tomar decisões sobre as matérias que são ou não alvo de destaque na primeira página. (...) Penso que estaremos todos de acordo sobre o facto de os jornais não escreverem exclusivamente sobre situações que comprovadamente constituem crime/ilegalidade, ou seja, sentenças que já transitaram em julgado.

A existência de suspeitas fundamentadas (...) é também — e bem — frequentemente alvo da atenção dos jornalistas. E os autos de um processo que ainda não chegou a julgamento incluem documentos onde qualquer jornalista pode encontrar matéria interessante para noticiar. (...) Vejamos então a situação concreta: numa primeira consulta ao processo, encontrei indícios de que a ministra da Justiça, Francisca van Dunem, tinha recorrido aos bons préstimos do principal arguido do caso dos vistos gold para tratar de um assunto relacionado com a obtenção da nacionalidade portuguesa de um familiar. Confrontada com a situação pelo PÚBLICO, a governante em causa, telefonou-me para explicar o que se tinha passado, confirmando os factos em causa — razão pela qual incluí esta explicação num artigo que fi z sobre esta e outras situações que configuravam casos de maior e menor gravidade no processo em apreço. Numa segunda consulta que efectuei ao processo, encontrei indícios de um segundo caso envolvendo igualmente a ministra em questão: escutas em que o principal arguido do caso se queixa de estar a ser pressionado pela então procuradora-geral distrital de Lisboa, Francisca van Dunem, para a obtenção da nacionalidade portuguesa por um outro familiar seu.

Como da primeira vez, questionei o gabinete de imprensa do Ministério da Justiça. Só que recebi de volta uma não-resposta, que incluí, como é evidente, no artigo em causa. Fiz ainda mais algumas diligências no sentido de apurar a veracidade das afirmações que constam das escutas da Polícia Judiciária: contactei o requerente de nacionalidade portuguesa, que disse que duvidava que Francisca van Dunem tivesse intercedido por ele, embora não estivesse 100% certo de que isso não tivesse acontecido — afirmações que incluí igualmente no artigo —, e tentei, sem sucesso, falar com o advogado do arguido em causa.

Perguntar-me-á: perante este cenário seria de publicar a notícia em causa? Na minha opinião, sim. Porque todo o processo dos vistos gold inclui suspeitas de tráfico de influências — bem como outros crimes de maior gravidade — na cadeia hierárquica da administração pública.

Temos entre os arguidos um ministro e vários altos dirigentes do Estado. Porque uma não-resposta, perante afirmações desta gravidade (as que constam das escutas), não deixa de ser significativa. E, por fim, porque no caso que noticiei anteriormente a própria ministra me havia reconhecido que as afirmações do principal arguido do caso correspondiam à realidade — e não a mera gabarolice.



Não se trata de uma insinuação, portanto. Trata-se de dizer aos leitores que o principal arguido deste processo se queixou de ter sido pressionado por uma alta magistrada portuguesa. E trata-se também de dizer aos leitores que, segundo a análise feita pelas autoridades sobre esta atribuição de nacionalidade, o requerente não tinha, à altura, direito a ela.

 Diz um dos leitores que ‘nada envolve’ Francisca van Dunem. Terá ele conhecimento privilegiado do processo, para o poder afirmar com tanta certeza? Permita-me duvidar. Quanto a mim, não tenho certezas. Reuni informação sobre o assunto e questionei todas as partes envolvidas no sentido de chegar a uma conclusão. O resultado é o artigo publicado, cujo interesse jornalístico penso ser sustentado. Mais de 24 horas depois da sua publicação, sentiu o gabinete de imprensa da ministra necessidade de dar uma explicação sobre o assunto. Acrescentei-a na versão online do artigo em causa, lamentando que essa explicação não tivesse chegado antes. Nota final: não sejamos ingénuos. Os gabinetes governamentais silenciam frequentemente respostas a todo o tipo de questões dos jornalistas numa tentativa de impedir a publicação de artigos que entendem poder ser-lhes menos favoráveis. Quando não conseguem os seus intentos, nem sempre reagem da melhor forma — mas o jornalismo é também ter de lidar com esse tipo de estratégias, por muito que a sua opacidade não devesse fazer parte do funcionamento democrático das instituições.


3.Comentário do provedor:

a) Eu bem sei que, normalmente, o autor das peças não tem responsabilidade nos títulos ou chamadas da 1.ª página, mas isso não implica que, mais uma vez, o provedor não recomende aos responsáveis editoriais que evitem tais procedimentos.

 Este título falta à verdade. A atractividade dos títulos nunca pode ferir a veracidade dos factos.

b) Identificar como ministra a suposta interventora no caso ocorrido em 2013, qualidade que só viria a adquirir dois anos depois, comporta uma falta de rigor.

c) Ora, é nessa qualidade de ministra que Ana Henriques vai reportar todos os indícios (?) de intervenção que encontrou. Van Dunem seria então, não ministra, mas procuradora-geral distrital de Lisboa.

Uma incorreção lamentável. E grave.

d) Estou de acordo que a existência de suspeitas fundamentadas, e com interesse público, sejam objecto de tratamento por parte de jornalistas. É uma das formas de separar os caminhos da investigação jornalística da investigação policial. Mas deduzir que há matéria interessante para noticiar, quando a própria Ana Henriques acumula dúvidas quanto às afirmações do arguido (defesa própria, gabarolice?) e às incertezas do eventual beneficiado da intervenção, exige maior precaução.

e) Nas duas notícias há evidentes contradições. Foi pena Ana Henriques não ter conseguido ouvir o depoimento da advogada Paula Godinho. Na caixa da pág. 27 diz-se: “Quem é escutada a meter

a cunha é uma advogada.” Por sua vez, na legenda da gravura da Van Dunem, escrevesse com todas as letras: “Não há qualquer intervenção de Francisca van Dunem sobre os telefonemas de António Figueiredo interceptados pela investigação”.



f ) O espaço de que disponho rouba-me exprimir outros comentários. Mas, a título de conclusão, quero lembrar o n.º 14 do Livro de Estilo do PÚBLICO: “O prestígio e a imagem profissional e política são um valor garantido no PÚBLICO. Todas as referências a situações desprestigiantes ou desfavoráveis devem ser sustentadas de forma rigorosa

(...).” E o n.º 16 estabelece: “Em todas as circunstâncias, o PÚBLICO revela, apura, divulga; jamais denuncia ou persegue.”



g) De qualquer modo, estou de acordo com Ana Henriques, os gabinetes ministeriais deveriam ser mais explícitos e menos sofistas quando interpelados.








2 comentários:

  1. O Público não pode descer ao nível do Correio da Manhã, que vive e alimenta-se do diz-se diz-se. Devia ter mais cuidado nas informações porque de enredos estamos todos fartos.

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  2. Tem toda a razão, o Público so existe como Público com qualidade e sem estes sensacionalismos, ainda para piorar NÃO VERDADEIROS.

    Mas o grave é que a senhora jornalista em questão, pelas respostas que deu ao Provedor m deixou a ideia de não se ter arrependido pelo que de errado escreveu.

    Ou seja, quem nos garante que nao se repita.

    E o Público não aguenta sensacionalismos. ..

    Acaba...

    Mas


    Muito bom haver o Provedor que está de parabéns pela Sua atuação

    Augusto Kuettner de Magalhães

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