Ali
Ahmed Said Esmer, ativista político, e genial poeta e ensaísta
sírio com dezenas de obras de poesia e ensaio publicadas em árabe
e traduzidas em todo o mundo com o pseudónimo de Adonis. Duas delas,
editadas em Portugal: a antologia poética O Arco- Íris do Instante
(D.Quixote) e Violência e Islão (Porto Editora). Proposto várias
vezes a prémio Nobel da literatura, esteve recentemente no nosso
país e deu uma extraordinária entrevista a Ana Sousa Dias,
publicada na edição de 15 de Novembro de 2016 do Diário de
Notícias, da qual passo a transcrever alguns extratos.
…
Acredita
no homem?
Continuo
a acreditar no homem.
E
isso é essencial?
As
religiões, num sentido lato, inventaram um outro mundo e afastaram o
mundo onde nós realmente vivemos. Fizeram dele um símbolo do mal,
do pecado. Mas para mim o mundo mais belo que alguma vez existiu é a
Terra. É isto, isto aqui. Veja como é belo. Nunca farei parte dos
que dizem que tudo isto é falso e inventaram um outro mundo. Não
posso aceitar isso. Mas não sou contra uma pessoa que acredita
nisso. Não estou contra ela por acreditar nisso, é livre de
fazê-lo, mas sou contra quando tenta impor-me aquilo em que
acredita.
O
que procura para pacificar a sua alma? Chamo-lhe alma como poderia
chamar ser.
Este
é um momento extraordinário. Escute as ondas: é poesia. O mar
tenta abraçar a areia, as poeiras, tudo. É um ser aberto. Não há
diferença entre a água e aquele pássaro, olhe para ele. E as
rochas e as árvores que conseguem brotar das rochas. Esta unidade
quase mística dentro da natureza é simbólica. É preciso que o
homem veja e compreenda isso. Na vida política é o oposto: o homem
é o lobo do homem, sempre. Porque é mobilizado pelo poder, pelo
dinheiro. E as instituições da sociedade, em vez de desencorajá-lo,
encoraja-o a isso. A vida é uma floresta, a vida quotidiana das
sociedades. Todos estão contra todos.
…
Na
sua tristeza, o que vê de positivo para o presente, para o futuro?
O
amor e a poesia. O nosso céu, o nosso oceano, a nossa musicalidade.
Escute o ruído das ondas, é música, é poesia.
E
as mulheres?
As
mulheres são o centro de tudo, porque são o centro do amor.
Perguntei
isso por causa do papel da mulher no extremismo muçulmano.
No
Islão, a mulher, falando com profundidade, não existe. É um nome,
número, um meio, um utensílio para a vida. E não estou a falar no
lado sexual. Mas no judaísmo e no cristianismo também. No Islão
não existe praticamente, no judaísmo existe teoricamente. E não
existe sequer em deus. Imagine um deus, criador que criou o homem
macho à sua imagem. Não criou o masculino e o feminino. Criou o
homem macho, não criou a mulher à sua imagem. É esse o deus do
monoteísmo. O problema é com deus, não é com a religião. É
preciso recusar esta visão divina. A mulher deve ser criada também
à imagem de deus, não pode vir da costela do homem.. O que é isso?
Continua
a escrever poesia?
Escrevo
poesia para compreender melhor aquilo de que temos estado a falar,
para me compreender melhor a mim mesmo, para compreender melhor a
minha relação com o outro, para compreender melhor o outro. Para
compreender melhor o mundo. É por isso que escrevo poesia. E se numa
cultura inteira, a filosofia, a história, a antropologia, a
sociologia, a ciência não tem mais nada a dizer sobre o homem,
sobre a natureza, sobre o universo, resta em teoria a arte que tem
sempre algo a dizer. E na prática o amor. Que também tem sempre
algo a dizer.
Francisco
Ramalho
Corroios,
24 de Novembro de 2016