sexta-feira, 15 de abril de 2022

Da gente mesquinha

 

 

Das cenas “marcantes” presenciadas por mim ao longo do tempo, há uma que frequentemente me vem à memória, sempre que me chocam aquelas pessoas que, quando julgam ter feito por alguém alguma coisa, não se esquecem de o lembrar despudoradamente, se a oportunidade lhes aparece, autocomprazendo-se, quase nunca de forma inocente, tais como: “Que bem te fica o casaco que te dei, já não me servia, mas parece mesmo que foi feito para ti”.

 

Há aqui na família uma senhora, que nos visita raras vezes no ano, por residir longe, que faz parte das tais pessoas; arranja sempre maneira de trazer para cá uns monos e, nas próximas visitas, quer saber o que foi feito daquilo, se não estiver à vista, ao que normalmente respondo com a “delicadeza” que reservo para tais ocasiões: Deve estar arrumado no sítio da tralha, se quiser levar de volta, vou à procura. Mas uma das suas ofertas, que está sempre bem à vista, é um pé de loureiro que me deu há-de haver uns vinte anos, e eu plantei num canto do quintal; pois não passa uma só vez que a santa alma me não lembre “que jeito que lhe faz aqui o loureiro que lhe dei”.

 

A árvore cresceu muito, alargou e multiplicou-se; instalei por baixo um banco de pedra e, ao lado, a churrasqueira, sendo a sombra muito agradável quando ali se fazem as comezainas. Mas loureiros é vegetação que não falta cá na aldeia, sobretudo nas margens do ribeiro que a percorre longitudinalmente, mas aquela mesquinha criatura pensa que terá introduzido aqui a espécie.

 

A cena que refiro no início passou-se em Lisboa, teria uns dezassete anos. Era domingo, a turma do costume decidiu ir à bola e eu, como nunca morri de amores por isso, fui passear sozinho para o Parque Eduardo VII;  já meio cansado de cirandar por ali, sentei-me a uma sombra, num banco meio escondido por uns arbustos, observando quem passava.

 

 Às tantas reparei num casalinho de namorados que me pareceu não “combinar” nada, ela bonita e bem arranjadinha, ele de aspecto boçal, mas ambos com pinta de imigrados em Lisboa, como eu.  Iam distraídos consigo próprios, sem darem por mim, quando ouvi dele esta coisa que, já na altura, me pareceu bem grotesca: “Trazes as cuecas que te dei”?  A moça corou, afastou-se e encarou-o de frente,  indignada: “Isso é conversa que se tenha? “Pensas que não tenho mais cuecas”!

 

Amândio G. Martins

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