terça-feira, 3 de abril de 2018


Mesa da fraternidade...


Com o título “Morrer à mesa”, o Padre Francisco Martins S.J. escreveu no JN um texto bonito, de que me atrevo a “roubar” alguns apontamentos:
                                                     (...)
“Somos filhos e filhas da sociedade mais sentada da história. São muitos os que todos os dias passam longas horas à mesa: a da escola ou a do trabalho. Nunca se viveu tanto à mesa. E, contudo, com uma ironia quase cruel, esta exponencial multiplicação das mesas transformou a mesa numa paródia dela mesma: sentamo-nos em mesas onde só há lugar para um. O lugar do encontro, da partilha, do ruído, tornou-se ícone do indivíduo absorto no seu trabalho, separado do mundo e dos outros, com os olhos num ecrã.

A escrivaninha matou a mesa e nós vivemos bem com a ideia. Aliás, já nem nos lembramos deste crime. Se assim não fosse, a imagem do presidente Trump a assinar a ordem executiva destinada a excluír tantos da mesa da humanidade com base no país de proveniência, sentado numa pequena escrivaninha diante das câmaras, ter-nos-ia inspirado mais que um resignado silêncio de quem já não se surpreende com nada.

É urgente, por isso, fazer o elogio da mesa.Da mesa autêntica, daquela onde há lugar para todos e a palavra é livre. Porque a tentação, talvez a maior do nosso tempo, é de só nos sentarmos em mesas à medida da nossa mesquinhez, onde os lugares estão contados e o “ libreto” para a conversa pré-definido. Ninguém destoa e tudo corre pelo melhor. Pelo contrário, a mesa verdadeira é um lugar que pode tornar-se perigoso, sobretudo para as nossas certezas. É aí que o encontro com o outro, com o diferente, pode “dinamitar” o castelo de ideias e preconceitos que construímos à nossa volta.

Não dá para furtar-se ao diálogo, ao genuíno trocar de olhares e de palavra, e isso é uma experiência radical sem paraquedas. Faltam-nos mesas destas no espaço público, uma cultura da mesa. É mais fácil falar da tribuna ou do púlpito. E, mais ainda, gritar slogans ou insultos, nas ruas como nas redes sociais. Somos nós, é a nossa voz e os outros são ouvintes ou vítimas, pouco importa, desde que estejam calados ou nos aplaudam. Pelo contrário, na exigente disciplina da mesa, é preciso tomar a palavra e deixá-la também ao outro”.                                              (...)


Amândio G. Martins

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