Uma Nação dormente
Isto parece um pesadelo. Cada dia
que passa, cada hora que respiramos, sentimos um ambiente de náusea como num
percurso de calvário. Fecharam o Miguel Bombarda e reduziram valências do
Hospital de Lorvão e muitos pacientes passaram para o ambulatório, mas não os trataram
como alienados, sobrecarregando as famílias com tarefas para as quais, muitas
das vezes, não tinham condições. Deixaram os doidos à solta, para se
confundirem com a população normal, como se a vivência no meio lhes viesse a
fomentar um comportamento adequado. Confiaram na nossa pouco assídua
intervenção social, porque o nosso egoísmo e a necessidade de sobreviver não
nos deixaram tempo para reparos. O pior é que se confundiu capacidades e
conhecimentos apropriados para as tarefas propostas e obrigatórias, com
compadrio e fidelidades, e distribuíram-se lugares de muita responsabilidade
por gente audaz e incapaz. Isto foi paulatinamente posto em prática e,
possivelmente, alguns que deviam estar internados, foram recrutados, para
lugares de muita responsabilidade, em pilares estruturais da nação.
Se isto corresponder à verdade, e
muitos de nós tivermos disso consciência, como inverter esta nefasta situação,
que vai minando os alicerces da civilização? Como despertar um povo adormecido,
que espera milagres e se satisfaz com migalhas, quando tem direito a
participar, por inteiro, na merenda que construiu? A sociedade está assente num
modelo competitivo, onde, os menos apetrechados, são votados a uma espécie de
desprezo pelos vencedores, que são adorados pela turba ignara.
Como só são apreciados os que
triunfam, a partir de certos momentos, a muitos de nós, só nos interessa vencer,
a qualquer custo, para satisfazer o nosso ego, porque sabemos que os vencidos
são desprezados, e nós precisamos de ser alguém. E é o salve-se quem puder! É,
em última análise, o desprezo pelo semelhante. Perguntem, ao acaso, a qualquer
cidadão, se se lembra que equipa ou indíviduo ficou em 2.º lugar, numa determinada competição ou concurso. Se souber algo, é apenas o nome
do vencedor.
Devemos reflectir sobre a forma
como enfrentar urgentemente esta deprimente situação, porque tratando-se de um
problema cultural, ligado aos hábitos e aos meios de convívio, a terapêutica
apropriada, porque a escola é essencialmente um espaço formativo, tem de
começar a ser transmitida nos programas a leccionar, onde é preciso ajudar a formar
cidadãos companheiros e não apenas competidores.
Não esquecer que as antigas
civilizações, quer a helénica, quer a romana, que nos deixaram muitos
testemunhos, que hoje admiramos e nos deslumbram, deram lugar a outras
diferentes na sua concepção e modelo, porque não puderam ou não souberam
perpectuar-se. O que tem vida não é eterno, pode é durar mais ou menos tempo.
24.11.2017
Joaquim Carreira
Tapadinhas – Montijo
Publicado hoje, dia 2 de Novembro, no semanário Expresso, com cortes a 50 %, desde a introdução, para mim quase uma síntese, até à conclusão que tinha o veneno do lacrau. Enfim, os tempos são difíceis e temos de nos contentar, a contra-gosto, com o que vai havendo.
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