sábado, 20 de abril de 2019


Fernando Namora


Ganhei desde cedo o hábito de rubricar e datar cada livro, acabada a sua leitura, o que me permite agora poder dizer que acabei de ler “O Trigo e o Joio” em 24.06.1974. Ao anunciar neste livro “8-ª edição, 30-º milhar”, a editora mostra-nos quão limitado  era o consumo de livros no nosso país, razão decerto da citação que Namora faz, no início deste seu livro: “O mundo da literatura é, porém, um triste mundo”.

Em tempo de homenagem a Fernando Namora, permito-me transcrever alguns apontamentos das sete páginas que Jorge Amado dedicou a este livro no seu Prefácio:

“Aproveito a oportunidade da publicação de uma nova edição de “O Trigo e o Joio” para expressar  toda a minha antiga e sempre renovada admiração por seu autor, o romancista Fernando Namora, mestre do romance. Um mestre do romance cujos livros, como este e como “Domingo à Tarde”, seriam grandes e importantes em qualquer língua e em qualquer tempo.

Esses livros estão rompendo as fronteiras de nossa língua, ainda tão restringidora das possibilidades de seus escritores por serem pobres nossas pátrias e de pequena presença económica num mundo de grandes potências. Ainda há poucos dias, um grande editor brasileiro me dizia:”Vende-se tudo, qualquer autor, desde que não seja português ou latino-americano”.                            (...)

Se exceptuarmos o poeta Fernando Pessoa, em matéria de literatura portuguesa paramos ne geração de Eça. Dos autores portugueses contemporâneos, só Ferreira de Castro é dono de grande público, mas Ferreira de Castro é considerado autor brasileiro e lido como tal. Os demais, mesmo um Aquilino, têm seu nome e sua obra conhecidos apenas de intelectuais. Exceptuo dois nomes: Miguel Torga e Fernando Namora. As obras desses dois grandes escritores conseguiram romper inclusive o muro erguido pelos professores de Literatura Portuguesa entre o público e essa literatura que eles deviam divulgar. Torga e Namora possuem hoje leitores brasileiros mais além do círculo de privilégio dos intelectuais.

Namora escreve bem e escreve do que sabe e conhece, como se ele fosse o igual desses camponeses, dessa rude gente misturada com a terra e com os animais. Sabe tudo sobre eles, mas sabe de um saber de vida vivida, não de observação, não de quem viu, mas de quem viveu; eles são carne da sua carne. O Trigo e o Joio é como uma sinfonia grave e profunda, mas não sei porquê, em sendo quase trágica, não é triste a história.

É uma cruel condição de homens, um drama de gente dura e tensa; a mim por vezes me arrepia, mas não me traz nenhum sentimento de piedade. São homens e mulheres talvez desgraçados em seu novelo de pequenas ambições e terríveis desejos, mas em sua desgraça conservam uma certa grandeza, que é igualmente o cerne da grandeza do romance, numa narrativa onde cada palavra é a justa, onde o substantivo despido de enfeites é a própria terra do Alentejo. Tão poderoso o instrumento do romancista que eu, leitor de um país distante, me senti alentejano”.


Amândio G. Martins

2 comentários:

  1. “ O mundo da literatura é, porém, um triste mundo” - cabe a nós , leitores lusos, melhorarmos os hábitos de leitura das nossas crianças, para que percebam quão mágico pode esse mundo ser!
    Vivemos tempos em que , felizmente, podemos ter acesso a todos os escritores , nacionais ou não ...
    Prefiro sempre olhar o copo meio cheio, e ter esperança que se pode mudar sempre para melhor !

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