Na injusta e
temerária acusação contra Jesus, quando o alto escalão dos fariseus foi
repelido em sua hipócrita denúncia de subversão, tratou logo de mudar o libelo
dizendo que havia uma lei, segundo a qual seria o acusado réu de pena de morte,
por ter-se proclamado o messias enviado por Deus.
Ao contrário de
outras regiões da antiga Palestina, cujos reis se tornaram meros vassalos do
império dos césares, a Judeia, em face de sua habitual rebeldia, era mantida
sob governo direto de Roma. O governador Pôncio Pilatos, muito comprometido por
desmandos de sua gestão administrativa (corrupção é antiquíssima), tinha receio
de desagradar a cúpula farisaica e ser denunciado às autoridades romanas; por
isso, mesmo reconhecendo a inocência do acusado, e como este era um galileu,
resolveu encaminhá-lo ao rei Herodes, que se encontrava em Jerusalém, para
participar das festas da páscoa.
O pseudo - rei,
ante o silêncio do acusado diante das caluniosas incriminações, depois de
injuriá-lo, devolveu-o à autoridade romana. As leis do império eram muito
formalísticas. Como a acusação restou voltada para meras questiúnculas
religiosas locais, a execução da morte, com o respaldo das forças militares
imperiais, somente poderia ocorrer mediante processo a ser remetido para Roma,
com decisão final superior.
Não se tratava de
um delinquente comum, mas de um líder religioso, tal como aconteceu
posteriormente com o apóstolo Paulo, que ficou preso (prisão preventiva é muita
antiga) e só depois de julgado lhe foi imposta a condenação de morrer, a fio de
espada, como cidadão romano. Mesmo sem possuir esta cidadania, Jesus poderia
ter sido absolvido, porquanto suas ideias ainda não se encontravam sob o crivo
de perseguição política ou, na pior das hipóteses, a morte não teria sido
através da cruel crucificação destinada aos mais desqualificados facínoras.
Receioso (não
concordo com a injustificável síncope do
“i” na grafia da palavra—receoso) de se
tornar alvo das intrigas dos fariseus, que diziam não ser amigo de César quem
pretendesse inocentar Jesus e o admitisse como rei dos judeus, Pilatos, depois
da hipócrita encenação do lava-mãos, permitiu que seus soldados maltratassem o
mestre, coroando-o com espinhos, e com uma sentença condenatória iníqua sem
processo formal, o entregou aos seus
algozes, dizendo: ECCE HOMO – eis o homem, ou seja, façam dele o que quiserem,
(João-19-5) e assim, o vício no trono propicia o massacre da virtude na coroa
de espinhos, como aconteceu mais tarde com Nero e o apóstolo Paulo. Tudo isso
sob o aplauso de populares judeus, muitos dos quais haviam sido beneficiados
por Jesus e o haviam aplaudido, com ramos de oliveira, poucos dias antes, na
sua triunfal entrada em Jerusalém (a ingratidão sempre existiu).
Depois, sem nenhum gesto de defesa,
como um cordeiro manso, o gigante super-homem, ocultando seus poderes
taumatúrgicos, se entrega aos anões da iniquidade: era a hora deles e das
trevas (Lucas, 22.53).
O pusilânime
governador romano não sabia o que estava dizendo. Era Jesus, o Cristo de Deus
encarnado, de fato um verdadeiro homem, protótipo de uma geração genuinamente
humana, gerado e não feito (genitum et non factum) como afirma o credo da
Igreja Católica.
Quase uma centena
de vezes, Jesus se autodenomina no evangelho como o Filho do Homem, isto é,
fruto de concepção genuinamente humana por auras espirituais, que resulta na
imortalidade corpórea, e não um simples corpo nascido de mulher, através de
gestação com ranço da libido animal ou de uma já sublimada erótica, como
aconteceu com João Batista – o maior de todos os nascidos de mulher, como narra
Mateus (11-11).
Não se diga que
tal concepção bioplásmica esteja em contradição com a ciência, pois o estágio
atual desta, muito aquém da revelação da verdade, ainda não alcançou o patamar
desejado. Huberto Rohden, o grande cientista, filósofo e livre pensador
cristão, de quem tive a honra de ser aluno, afirma em seu livro “A Nova
Humanidade”, a sua real possibilidade com base em relatos do apóstolo médico Lucas
no texto grego original de seu evangelho (1.35), segundo o qual, Maria fora
envolvida num sopro espiritual (pneuma hagion) e numa aura divina, a sombra do
Altíssimo (episkiá).
Ela se mostrava
perplexa, pois não houve contato físico algum com homem e se mantinha virgem. A
geração metafísica em estado de virgindade, sem qualquer fecundação
esperma-óvulo já havia sido profetizada (Isaías-7-14) e tudo isso não pode ser
considerado como simples lenda bíblica e nada tem a ver com o puritanismo
anti-sexual inventado por certos setores religiosos sem qualquer sintonia com
os costumes da nação hebraica (prefiro escrever anti-social, ao invés dessa
invencionice brasileira de mau gosto antissocial).
O uso normal do
sexo ainda é o caminho comum da procriação humana, embora tenha sido
recomendado ao primeiro casal que atingiu o nível da intelectualidade (Adão e
Eva) que crescesse espiritualmente antes de começar a reprodução: “crescei e
multiplicai-vos” (Gênesis 1.28). Mas, como Eva, iludida pela serpente mental do
Ego, pensando apenas em prazer, sugeriu ao companheiro comer o simbólico fruto
da árvore do bem e do mal, e o resultado é de fato o produto do bem e do mal:
um corpo sujeito a doenças que nasce e morre, e tal coisa continua acontecendo
até os dias atuais, na alegria do nascer e na tristeza do morrer corporalmente;
nos incômodos do parto e na difícil conquista do pão através do suor do rosto:
é a chamada maldição do Gênesis (3.16,19) que um dia desaparecerá com a
filiação divina e a redenção do próprio corpo (Paulo, Romanos: 8.23)
O nosso grande
escritor Machado de Assis, cuja querida esposa Carolina era irmã do ilustre
poeta português Faustino Xavier de Novais, percebendo a precariedade da atual
geração e levado por um certo pessimismo, diz em “Memória Póstumas de Brás
Cubas”: “Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado de nossa
miséria”.
As relações
sexuais, de acordo com Rohden, são “uma isca de prazer para que haja
cumprimento de dever”, isto é, um gozo fugaz para estimular a procriação e
aproximar homem e mulher através de permutação de vibrações psíquicas que
resultam numa doação recíproca; mas, enquanto não houver o prazer duradouro do
Amor, via de um crescimento espiritual, a origem existencial continuará
precária – é o que se pode chamar de pecado original, ou seja uma forma de
geração imperfeita e não mácula herdada de terceiros (Adão e Eva), como
ridiculamente admitia a teologia do antigo judaísmo enxertada nas hostes
cristãs pelo apóstolo Paulo (primeiro teólogo do cristianismo).
Com todo o
respeito à normal união de sexos entre homem e mulher, como elo da formação
familiar, mas o seu desvirtuamento pela torrente das paixões que a transforma
em razão de ser da existência, como se sexo fosse a própria vida
(unilateralismo do pensamento freudiano) e não uma das coisas da vida, tem-no
transformado em causa da mais hedionda criminalidade, sobretudo para quem se
julga dono de pessoas e não admite o fim da relação amorosa que, na realidade,
não passa de mero convívio passional.
O Gênesis bíblico
não se refere apenas à chamada “árvore do conhecimento do bem e do mal”, mas
também à “árvore da vida” guardada pela espada flamejante dos anjos (2.9 e
3.24), cujo fruto representa a própria imortalidade do corpo. Num rasgo poético
vislumbrando o aperfeiçoamento futuro, assim vaticinou o célebre poeta do
Estado do Rio de Janeiro, Raul de Leoni (1895 - 1926), no final do seu belo soneto “Argila”: “Se um dia eu fosse teu e
fosses minha, o nosso amor conceberia um mundo e do teu ventre nasceriam
deuses...”
Afirma Jesus, que incorporou o Cristo (verbo
divino): “Ninguém me tira a vida. Eu dou a vida quando quero e a retomo quando
quero (João – 10.17-18). Que maravilha! Um dia todos nós numa humanidade futura
(Paulo, I Cor. 15.54-55 e Apocalipse 21.4) poderemos dizer o mesmo. Entre os
espíritas não há uma aceitação unânime sobre a encarnação do Cristo através de
auras espirituais. Alan Kardec não trata do assunto, mas Roustaing, autor de
estudo sobre os Evangelhos, a admite perfeitamente.
O corpo astral do
Cristo que deslumbrou os apóstolos na manifestação do Tabor (Mateus 17.2),
quando reduzido na forma corpórea de Jesus pode não se ter apresentado com
aquela bela figura de cabelos loiros destoante da tipologia dos Integrantes da
nação hebraica residente na Galileia. As pinturas que o retratam no mundo
ocidental desde os tempos mais remotos da antiguidade não correspondem à
realidade da época em que ele viveu.
Há um retrato
falado atribuído ao senador romano Publius Lentulus constante do romance “Há
Dois Mil Anos”, escrito pelo religioso brasileiro Francisco Cândido Xavier, sob
inspiração do famoso padre jesuíta português, Manoel da Nóbrega, fundador da
cidade de São Paulo, que reproduz a imagem ocidentalizada de Jesus, mas é
preciso considerar que assim se apresentou, porque o divino mestre, em face se
sua estirpe superior, tinha poderes para se manifestar com a aparência que bem
lhe conviesse.
A manifestação
visual crística é fato raríssimo e, às vezes, pode ser uma mera projeção mental
ou um artifício usado por entidades angélicas que se visualizam na aparência de
Jesus ou de um santo ou santa da devoção de quem teve a visão.
A atual ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos do governo
brasileiro, pastora evangélica Damares Regina Alves declarou que, num
momento crítico de sua vida, quando ainda criança (10 anos), lhe apareceu
Jesus, livrando-a de um pensamento suicida.
Vivaldo Jorge de Araújo,
ex-professor de História e Língua Portuguesa do Lyceu de Goiânia, é escritor e
procurador de justiça aposentado do Ministério Público do Estado de Goiás,
Brasil.
Admiro a erudição mas discordo na interpretação e, sobretudo, na apologia das leituras. Como disse um professor de Medicina de Coimbra ( não recordo o nome): "fora do campo da fé, é muito difícil de aceitar a noção de virgem mãe". Em nota de rodapé: o último parágrafo do seu texto é só para ser lido ou também interpretado? E, já agora, como o interpreta? Apoiando-o ou verberando-o?
ResponderEliminarCaro Fernando, agradeço o seu comentário e respeito profundamente a sua opinião. Sobre o último parágrafo, a intenção foi de noticiar algo muito explorado pela imprensa brasileira. Quanto a veracidade, tenho cá minhas dúvidas.
ResponderEliminarUma tréplica ainda me é permitida, dentro das regras do debate, não é? Sobre as nossas crenças, não valerá a pena pois em matéria de fé ou falta dela, há muitas liberdades e diferenças e, aos seus filósofos eu contraporei os "meus". Por exemplo, Kant e Savter, no meu caso.
EliminarAtenho-me sim à ministra brasileira que viu Jesus num pé de goiaba e ao facto de me perguntar se esta senhora tem estaleca para desempenhar este cargo? É que aqui o assunto é politico e as ilações que ela retira da "visão" para a sua transferência de conceitos "ideológicos" para sociedade, são deploráveis. Embora expectaveis... num governo chefiado por Bolsonaro que é, ele mesmo, um ser deplorável. Grato pela notícia que nos deu mas, tristemente... já a sabíamos há muito.