quinta-feira, 25 de abril de 2019

No 25 de Abril, eu estava…


… em Bissau, embrenhado numa estrutura organizacional tão poderosa que, a par de outras mais funestas, era o infalível suporte, há décadas, de um regime que concitava o ódio calado (à força) de uma grande parte da população.
Soube do que se passava em Lisboa ainda de manhã. Testemunha fortuita de um telefonema entre dois chefes militares, oficiais superiores com altas funções no Exército, mal pude, escapuli-me do gabinete do Chefe, e, desabridamente, levei a boa nova aos colegas do Serviço. Não faltou quem, quase instantaneamente, fosse desencantar os meios de escutarmos o Mundo, sem filtros, via rádios estrangeiras. As dúvidas e a incredulidade iniciais cedo se esbateram e começou a tomar forma a ideia de que “sim, desta vez é que é”.
Já nem sei exactamente como decorreu o resto do dia, que a vertigem apoderou-se de quase todos nós. Lembro-me bem, contudo, do ambiente reinante durante a noite, depois do jantar, nas quase luxuosas instalações do que, pomposamente, se chamava o clube de oficiais. Era ver, entre os milicianos, mais jovens e irreverentes, sorrisos de orelha a orelha, propícios a, num tom de voz normal, sem medos de ouvidos indiscretos, emitirem os seus comentários sobre os acontecimentos que, à distância, em Lisboa, se sucediam. Curiosamente, e essa é, talvez, a imagem mais marcante que me ficou, era observar os pequenos ajuntamentos dos oficiais superiores, acantonados, cochichando entre si e lançando em volta olhares furtivos, às vezes com sinais de preocupação estampados no rosto. Tinha-se virado o feitiço contra o feiticeiro?
Não se sabia o que aí vinha, mas, caramba, sabia-se o que tinha acabado! E isso era suficiente para uma enorme alegria incontida.



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