Família, família...
Uma sondagem publicada pelo JN revela que, para 87% dos
portugueses, não há nada mais importante que a família; mas o que a sondagem não
mostra, escreve Rafael Barbosa, é que a família é também uma instituição marcada
pela violência.
Só nos primeiros três meses deste ano foram identificados pelas
autoridades quatro mil idosos vítimas de violência exercida pela família; e, no
que vai de ano, quase duas dezenas de mulheres já foram assassinadas em contexto
de más relações familiares; e a maior parte dos crimes sexuais sobre crianças
também se verificam no seio da família, sendo que, apesar dos números chocantes
revelados, crê-se que ainda haverá muita violência silenciada pelas vítimas.
É uma imagem assustadora de Portugal: gente que mata a
mulher, abusa dos filhos e bate nos pais; e a culpa aqui, diz ainda Rafael
Barbosa, não é do Estado; é nossa a culpa da violência que se institucionalizou
em tantas famílias.
É comum ouvir-se que família é algo que não se escolhe; de
facto, começa normalmente com duas pessoas que mal se conhecem, que avançam no
desconhecido mal preparadas, e o que daí vai surgir é, à partida, quase sempre
uma grande interrogação que, nos tempos que correm, revela cada vez mais fins
infelizes, cada vez menos histórias de sucesso.
Diz certa lenda que já houve tempo em que o idoso, quando já
não servia para nada, era levado pelo filho mais velho para o alto da montanha,
com uma manta velha, para aí terminar os seus dias, mas que tão sinistro
costume terá acabado quando um deles, vendo que o filho lhe deixava duas
mantas, lhe recomendou que levasse uma de volta, que podia fazer falta quando
chegasse a vez de o filho dele o levar ali também, lembrança que terá causado
no filho um tal arrepio que se abraçou ao pai e voltou com ele para casa.
A questão que me
ocorre, perante as desgraças que nos são dadas constantemente a conhecer, é se
não seria melhor morrer em paz sozinho, no alto do monte, e servir de alimento às
aves necrófagas, do que morrer também aos poucos, espancado
diariamente no seio da própria família...
Amândio G. Martins
Mais uma vez uma sondagem com resultados contraditórios: o grupo mais importante é também o mais perigoso!
ResponderEliminarNestes tempos conturbados falta mesmo, muita paz !
O seu texto, Amândio, é "central.Como a família. Ia a meio da sua leitura e já me lembrava do que escreveu Marguerite Duras em "O Amante", logo pelo terceiro parágrafo: nasci numa família de grandes "tempestades", o que não espanta pois é no seio das famílias que elas se dão. Também é verdade que, mais a diante, diz: nem sempre uma família é aquela que vive debaixo do mesmo tecto.
ResponderEliminarNota: a trancrição do que disse a escritora e cineasta é livre, não "ipsis verbis«".
Não sei se será um mal desta península; é que aqui ao lado a desgraça ainda é mais arrepiante. Nos dois mais recentes casos noticiados, dois filhos mataram e emparedaram a mãe em casa e continuaram a receber-lhe a reforma, e um sujeito que matou a mulher, enterrou-a no jardim, cobriu-a com uma placa de gesso e deu queixa à polícia do seu desaparecimento...
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