sábado, 29 de junho de 2019

Matilde e os outros meninos

Anteontem, o Amândio Martins publicou aqui um texto - Obscenidade! - num tom de "uivo lamentoso", tendo por base a situação de Matilde. Esta lactente nasceu com uma doença rara cuja terapia génica só existe no EUA e custa a módica quantia de 2 milhões de euros. Percebo perfeitamente o tom usado pois penso que é o único possível. Mas a insónia não foi boa para mim, comecei a "puxar o fio à meada" do pensamento e deparei-me com outras três crianças, símbolos do mal estar do mundo, que é, também, o meu mal estar. E decidi vir aqui expor-me, nas dúvidas que me assaltam e sobre elas dizer algo, umas vezes como "advogado do diabo", outras nem tanto, outras ainda simplesmente ao sabor dum pensamento crítico que é tão pungente que doi.
Como tantas vezes na vida, os "pássaros do acaso" pousaram-me nos ombros, há dias, ao participar numa sessão de discussão ética na Universidade Católica. Lá se falou do eventual exagero de exames complementares pedidos sem haver necessidade, onerando o custo da medicina. Usei o "eventual" propositadamente já que quem defende o corte em muitos desses exames, usa em sua defesa... precisamente situações em que eles se justificam plenamente, como rastreio de doenças, umas mais graves e outras menos. E lá veio, legitimamente, o velho dilema de saber se "haverá tudo para todos". E ainda dentro da "passarada", lá vieram mais três rostos - Valentina, Aylan e a "menina sem nome" - mortos no Rio Grande, na orla marítima do mar Egeu e ( morta? viva?) marginalizada num "campo de concentração" na Síria, respectivamente.
Aonde quero chegar? A lado nenhum, pelo menos com escolhas maniqueístas. Há prioridades na escolha de "quem vai morrer"? Pode/deve haver tudo para todos? A Matilde vale mais/menos/ igual aos outros três? Podem haver medicamentos a valer dois milhões? Mas, se não valessem, existiam? É cotejável a fortuna mundial na mão de poucos indivíduos vs "isto"? Se houver prioridades, escolhe-se o individual ou o colectivo, maioritário e, possivelmente, até mais fácil de resolver?
Deixo-vos a partilhar a minha angústia, se o aceitarem. E como "bom" ser humano, vou tentar "sacudi-la" indo almoçar uma "paella" com antigos companheiros do liceu, onde só falaremos dos tempos passados, beberemos uns copos e nem um "pio".... sobre os dilemas/injustiças do mundo. Perdoem-me este mau gosto final.

Fernando Cardoso Rodrigues

3 comentários:

  1. O Fernando merecia uma resposta positiva que lhe "acalmasse" as dúvidas e a angústia. Infelizmente, não a tenho. Tomara eu...

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    1. Sou-lhe grato por intervir. Sem dogmatismos, como é seu timbre.

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  2. Soube gora mesmo que já se conseguiram os dois milhões de euros para a Matilde. Ainda bem!

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