Sendo
o objecto da Lei 46/2005, literalmente, a “limitação de mandatos” (epígrafe do
artº 1º), há quem defenda, naturalmente, que … “limita mandatos”, quaisquer
mandatos, a três sucessivos.
Porém,
há também quem diga que só limita mandatos em determinada câmara municipal ou
junta de freguesia.
Multiplicam-se,
mais ou menos discordantes, pareceres, comentários, opiniões, dissertações e,
não tardará, teses de mestrado e doutoramento. Começa mesmo já a formar-se no
ar (e na terra, aliás, nas “terrinhas”) mais uma “espiral”, esta de processos judiciais.
E
até uma revolução “branca” (o que diria Stendhal disto, quase 200 anos depois
do seu empolgante Vermelho e Negro?)
já está desencadeada. A partir do Porto, como quase sempre…
Há
mesmo quem garanta ter já começado mais uma guerra … aos “dinossauros”, por
risco de invasão de (muitas) … “pastagens”.
O
Presidente da República (PR), em vez de limitar, alargou os limites da
barafunda ao “esclarecer” que houve um “erro” na publicação da tal lei no Diário da República (DR). Disse o
Presidente que terá havido um “erro” da Imprensa
Nacional (que oficialmente publica o DR) e, assim, onde, no texto publicado
da lei, consta presidente de câmara municipal ou de junta de freguesia, “deveria”
constar presidente “da” câmara ou “da” junta.
Por
isso (mas não só…), grassam por aí grandes desacordos. Interpartidários, intrapartidários
e, até, como agora está na (má) moda, contrapartidários.
Quanto
a mim, não estou de acordo com (mais) esta “espiral” de … desacordos. Acho,
mesmo, que tudo isto se deve a haver … acordo a mais. Explico.
Como
se sabe, em resultado de uma infeliz Resolução do Conselho de Ministros de 8 de
Janeiro de 2011, a partir de Janeiro de 2012, com a aplicação do dito “acordo
ortográfico” (AO), começou uma “guerra” (quase) sem limites às consoantes ditas
“mudas”.
Dos
limites dos documentos oficiais, esta exterminação de (quase) tudo o que é
“mudo”, ultrapassou todos os limites e, agora, muito por artes da “mão
invisível”, a “matança” das consoantes (ditas) “mudas” já não tem limites, para
além de nas escolas (escandaloso!), nos jornais, nas televisões, nos panfletos,
nos cartazes, etc.
Terá
daí resultado, para muita gente (portugueses e não só), uma progressiva e
generalizada desvalorização de tudo o que na ortografia da Língua Portuguesa é
“mudo”. Não só já das consoantes (ditas) “mudas” mas, inclusive das vogais “mudas”,
como é o caso da vogal e na
preposição de.
E
deve ser por isso que, agora, certos políticos, ainda que inconscientemente (ou
talvez não…), desvalorizam o e “mudo”
no de em presidente de câmara ou de
junta, mesmo se essa vogal e “muda” fala,
– e bem -, dizendo (sustentando a interpretação de que) o “espírito do
legislador” era, genuinamente, naquela lei, pretender limitar a três sucessivos
os mandatos, quaisquer mandatos, autárquicos.
É
a minha teoria e até tenho esperança que me dê algumas … creditações, como ao
sr. “doutor” Relvas.
Mas,
calculados interesse(s) de uns partidos, cómodo desinteresse de outros e,
talvez, responsabilidade limitada da presidência da Assembleia da República
(AR), esta, a AR, também ficou “muda”, não promovendo nem rectificação nem
interpretação da lei.
E
assim, vai, com certeza (ai vai, vai,…), aparecer por aí um rol sem limites de
outras teorias.
Por
exemplo, a de que a lei, porque não foi publicada a sua letra “genuína” (com
“da” em vez do de, segundo o que diz
o Presidente), esta lei, … não é legal, não vale nada.
Ora,
justamente, é também esta (muito suspeita…) teoria, a de que Lei Nº 46/2005
“não vale nada”, que nos suscita aqui a pertinência do famigerado “acordo ortográfico”.
É
que também este, o “acordo ortográfico”, porque realmente não está em vigor (e
não é aqui o espaço para simular um chatérrimo “parecer” sobre isso), não vale
nada. O que, aliás, vai ficar claríssimo quando, dentro em breve, em plenário
da AR, for discutida a petição (Pela
desvinculação de Portugal ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa de 1990)
que, juntamente com 6211 outros cidadãos, me orgulho de ter assinado.
Por
um lado, para “dinossauros”, políticos e tribunais (incluindo o Tribunal Constitucional),
augura-se (mais) uma depressiva “espiral” jurídico-autárquica de providências cautelares,
acórdãos e recursos, incluindo recursos a candidatos … “intercalares”.
Por
outro, para a Língua Portuguesa, cria-se a esperança da reposição da sua dignidade
histórica e sociológica e correcção filológica e etimológica, com a
clarificação legal do abandono oficial do (des)”acordo ortográfico”.
Desconfio
que “os mercados” vão ficar ainda mais baralhados com (mais) esta(s)
“instabilidade(s)” de sinal contrário.
É
que, simultaneamente, nesta questão da “limitação de mandatos autárquicos”, temos,
por um lado, um desacordo autárquico e, por outro, um desacordo ortográfico.
Em
conclusão: um desacordo autarcográfico.
João Fraga de Oliveira
(Público, 25 de Julho
de 2013)
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