segunda-feira, 22 de julho de 2013

Não há mercados que cortem a raíz ao pensamento

A comunicação ao país de 10/7/2013 do sr. Presidente da República (PR) deixou (quase) toda a gente “surpreendida”.

Para além de prognosticarem o “caos”, a “confusão”, a “balbúrdia institucional”, o “agravamento da crise”, etc., como frutos degenerados da “solução” presidencial para a(s) crise(s) política(s), comentadores e contracomentadores "políticos" (e vice versa), especulam sobre o  pensamento político do PR em que assentou essa “3ª via” de decisão presidencial.

O próprio cidadão comum se questiona sobre muita coisa: O pensamento é mesmo do PR ou dos seus …“pensadores”? Tem o PR no pensamento outras soluções alternativas ou supletivas do (maior) problema eventualmente criado com esta “solução” política? Ou é este o seu único pensamento? Por convicção (ou por qualquer outra razão “política” mais remota…), é, mesmo, exclusivo e excludente, o seu pensamento único?

Cá por mim, acho que a questão não está tanto no(s) pensamento(s) do PR mas, mais fundo, na raiz desse(s) pensamento(s).

Infelizmente, uma raiz – “os mercados” – que, pela sua degeneração financista e tecnocrata, está a ser cada vez mais social, económica e politicamente daninha. E que, pelo seu alastramento (académico, comunicacional, etc.), está a invadir o pensamento de certos políticos e de governantes de tal forma que tendam a pensar e (e agir) como se não só a economia mas a sociedade tenha que, “inevitavelmente”, ser de(os) mercado(s). Afunilando-lhes, por essa via, o pensamento político no pensamento único dos, pelos e para “os mercados”. Mirrando-lhes qualquer outro que não seja esse único pensamento. E fazendo-lhes esquecer os factores (e fautores) genuinamente essenciais da Política: as pessoas, a sociedade, a democracia real.

E assim, voltam as dúvidas do cidadão comum, preocupado se, com esta “solução” (?) e por causa dessa raiz do seu pensamento político, o PR se estará a esquecer: Que prometeu ser “presidente de todos os portugueses"? Que, para além de outros também representando os portugueses, há pelo menos seis partidos com assento na Assembleia da República? Que um acordo de “salvação nacional" não tem que ser só partidário (e muito menos só tripartidário) e, sobretudo, não tem que ser, directa ou indirectamente, a "salvação nacional” de um (des)acordo partidário? Que a “salvação nacional” que lhe compete promover é a "salvação" dos portugueses (as suas condições materiais de vida mas, também, os seus valores colectivos, a sua dignidade, a sua coesão social) e não a salvação dos leoninos interesses dos credores do “país”? Que a "estabilidade política" não significa necessariamente estabilidade democrática e, muito menos, estabilidade social? Que a democracia é um sistema político cuja característica processual mais definidora e essencial é a escolha do Governo assentar em eleições livres? Que, desde há 37 anos, “todos os portugueses” se julgam com direito a pensar que vivem num país que "é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária"? Que, desde antes ainda, há 39 anos, “todos os portugueses” têm a democracia por raiz de pensamento?

Que, finalmente, não há mercados que cortem a raiz a este pensamento?

(EXPRESSO, 20 de Julho de 2013)
João Fraga de Oliveira

1 comentário:

  1. É bonito de dizer, mas, na verdade, os mercados não só cortam a raiz ao pensamento como cortam a raiz de viver e conviver. Os mercados, impiedosos, estão a matar tudo.

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