domingo, 2 de novembro de 2014

A louca.


Eu sei meu amor que nem chegaste a partir, pois tudo em meu redor, me diz que estás sempre comigo.
Parte dos belíssimos poemas escritos por David Mourão Ferreira na década de cinquenta do século vinte intitulados “barco negro” e magistralmente cantados por Amália Rodrigues.
Refletem a amargura, a angústia, a dor provocada pela perda dos entes queridos eternamente perdidos no mar.
Mulheres sem pais, maridos, filhos, irmãos, sempre foi assim a agrura da vida de pescador, uma luta desigual com a natureza.
“Barco negro” pode perfeitamente retratar a história de uma jovem mulher que junta com outras, todos os dias ao nascer do sol vão ajudar os seus companheiros a empurrar os frágeis barcos de madeira do areal para a água, dando inicio a mais um dia de faina da pesca.
Maria espera no areal, com o barco a afastar-se da costa acena com os dois braços bem erguidos ao seu amor, ao que este retribui.
Volta para casa dedica-se á lida domestica e ao conserto das redes de pescas danificadas nos dias anteriores.
Aproxima-se o fim da tarde, como sempre Maria e as outras mulheres dirigem-se para o areal, esperando o regresso dos barcos, desejando abundancia de peixe, mas Maria a mais jovem de todas, só quer abraçar o seu amor, António o primeiro e único amor.
Anoitece, as horas passam, as mais velhas desesperam, caem de joelhos em prantos, erguendo os braços ao céu rezam, suplicam a Deus, aos santos que tragam os seus maridos, os seus filhos.
A noite avança, arrefece, em debalde esperam, vagarosamente dirigem-se para suas casas, acendem velas aos santos da sua devoção, rezam, choram, gritam.
Maria fica deitada no areal, enroscada numa manta com os olhos postos no horizonte, apenas vê um corredor prateado no mar formado pelo reflexo da lua, não acredita, não quer aceitar que o mar que outrora foi a sepultura do seu pai e irmão, reserve igual destino ao seu amor.
Sorte desgraçada, Maria ficou órfã de mãe muito nova, não lhe resta mais ninguém. Uma conterrânea vai busca-la, muito a custo convence-a a abandonar o areal.
Todos os dias ao fim da tarde, Maria volta ao local de onde partiu o seu amor, o seu grande e único amor.
Maria murmura vezes sem conta.
-António volta meu amor, estou á tua espera.
Doravante começou a ser apelidada de a louca da praia.
A vida, maior enigma de todos, uma breve passagem pelo mundo, uma eterna perda, a inocência, a juventude, os sonhos, a saúde, os entes queridos e finalmente a própria vida.
Infelizes os que vivem apenas para praticarem o mal, vidas sem sentido, ou simplesmente nem conseguem dar sentido á vida.



Com amizade.


Araujo.

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