Notas de intervenção
A falência do regime, que se arrasta vai para lustros que nem se
contam todos, não se explica com justificações na dimensão do país, nos seus
recursos, no minguar de gentes, na sua localização periférica.
Facilmente se desmontam estes obstáculos que dão jeito.
Sobre tamanhos e medidas, temos de tudo: grandes dimensões como
a Rússia ou a Índia, que não descolam de uma emergência falaciosa, ou uma Suíça e Holanda,
que são exemplo de pequenez com grandes sucessos e riqueza - talvez também
falaciosas.
Dos recursos, o que são os recursos? Hoje estão em alta nos
mercados, amanhã outros são o ouro que se procura. E os recursos são materiais,
imateriais, coisas ou ideias, e todos eles, separadamente ou em conjunto, podem
ser valiosos.
O petróleo que tirou as tribos dos desertos arábicos e os pôs a
construir prédios de olhar ao infinito e a conduzir rolls-Royce forrados a diamantes, quando acabar, dará lugar a
outras energias e fará ricos quem as produz e vende.
Ontem a agricultura e a pesca
não eram necessárias porque vinha tudo da europa, mais barato, supostamente
melhor e ainda se pagava para estar quietinho e não produzir nada. Hoje o que
vem da europa é caro, e não nos faz falta nenhuma (austeridade, submarinos).
Cresceu entretanto o coro das lamentações porque já não há barcos para ir à
pesca e os campos andam ao abandono.
Sobre as gentes, o que mais importa? Muitas, poucas, muitas
servis e acríticas, poucas mexidas e conseguidas? Também neste caso temos
cardápios por onde escolher. Há países onde são muitas e mexem, noutros são
muitas e vegetam. Dos que têm poucas, estão igualmente disponíveis os dois
sabores.
A periferia também é um argumento curioso. Se fossemos por
natureza do “contra”, diríamos que sendo o planeta quase redondo, a ideia de periferia
não faz muito sentido. E não querendo desconversar, também se encontram
exemplos com a maior das naturalidades, de que estar numa ponta pode ser bom porque,
não havendo mais terra firme para pisar, temos que nos atirar de cabeça para o
desconhecido até encontrar outra terra. Luta-se contra a inércia.
Agora somos suburbanos mas no século XV, fomos a plataforma
avançada do Ocidente para abrir os portões do mundo global.
A Noruega é dos países mais periféricos que se pode encontrar,
no entanto é o que é. A Austrália flutua num oceano a perder de vista, mas é o
que é! Até a Nova Zelândia é o que é e são os antípodas mais periféricos que
temos.
Todas as justificações são boas, e se se escarafunchar bem encontram-se
sempre argumentos consistentes nos versos e nos reversos, para uma boa
argumentação e uma boa retórica, que é a arte da ”palheta”.
A falência do nosso regime e por consequência do nosso
progresso, não está em nenhuma destas justificações esfarrapadas.
Está numa ideia tão simples que até faz esboçar um sorriso de
incredulidade: Na educação.
Pois é! Pequenos ou grandes, muitos ou poucos, com espaço ou
claustrofóbicos, com mais ou menos colheitas e peixes no mar, a nossa fragilidade
está na educação, neste caso na falta dela.
E educação entenda-se como um conjunto de disciplinas fundamentais
no currículo para a formação das pessoas.
A “revolução” civilizacional do nosso povo aconteceu facilitando-se
o acesso a bens de consumo a crédito. Ter um mercedes para parecer, mas não ter maturidade crítica. A escolha
fácil de uma viatura catita, foi a cenoura envenenada que a elite politica e
financeira pendurou nas orelhas das pessoas.
E elas babaram-se, o que foi de conveniência para se governar a
bel-prazer sem interferências dos votantes que ficaram distraídos a fazer
contas para pagar as prestações e a gasolina nos passeios tristes de Domingo
pelas marginais deste país.
Como é que um país tão ridiculamente pequeno e quase despovoado
tem tanta gente ainda a viver no século XIX?
Porque nenhum líder teve a decência e a coragem de investir na
educação cívica, na educação escolar, no desenvolvimento de competências não só
académicas e teóricas, mas igualmente práticas e de utilidade pública, na
criação do hábito desde pequenos na prática da acção social, em voluntariados e
projectos comunitários, onde as crianças fossem enraizando em si e no seu
crescimento, os conceitos da solidariedade, da entreajuda, do espírito de entrega
(não piegas claro) e de serviço.
Instituiu-se a matemática e o inglês, a primeira mal ensinada
(não é culpa dos professores) e o segundo como arma de arremesso na propaganda
dos ministérios da educação; falou-se da importância das tecnologias, mas do seu
ensino prematuro não há fumo; vendeu-se ad
nauseum a ideia de que todos se tinham que licenciar, proliferaram
“universidades” em cada esquina esconsa, e os meninos chegam a “doutores” sem
saberem expressar-se correctamente em português, sem saberem entender o conteúdo
e sentido de uma frase um pouco mais elaborada.
Falharam as políticas por questões técnicas, ou pela falta de
qualidade dos seus técnicos?
No fundo nada disso interessa a quem governa. Porque são temas
que estão no oposto do mundo da competitividade, do ser o primeiro, conseguir o
melhor lugar, ser melhor que os outros, e estes são os modelos do mundo
“moderno”.
É pela estatística que se aferem os indicadores da “evolução”.
Nada disso interessa a
quem governa porque ao desenvolver nos outros essas competências, estamos a
contribuir para um crescimento mais harmonioso dos humanos. E um ser em
harmonia e equilíbrio pensa pela sua própria cabeça, é senhor das suas opções e
decisões, escolhe caminhos, e constrói as casas e as pontes à sua maneira.
E tudo isso é precisamente o que um político tipo - de regime -
não quer nem nunca quis.
Porque isso seria uma afronta ao seu poder, discricionário e
cego. Porque isso lhe tiraria o acesso a esse poder, já que indivíduos que pensam
não elegem indivíduos assim. E mesmo que se enganassem e os elegessem,
rapidamente os tirariam da cadeira, corrigido a imprecisão de uma escolha mal
feita em quem faz da prática política um saco azul para benefício próprio e da
sua corporação, não considerando os outros cidadãos na equação da existência e
da realidade.
É pois na Educação em todas a suas dimensões que reside o grande
segredo do progresso. E esta não é um recurso escasso, não fazem falta quilhas
nem enxadas: é uma semente que se rega com facilidade e floresce em pouco tempo
e de folha perene.
Portugal não é pequeno, tem imensos recursos, as pessoas são as
que existem e podem dar muito mais, mas diga-se que também é verdade: temos
tido muito pouco brio, respeito por nós próprios, alguma apatia e preguiça.
Demasiado queixume e indecisão nas escolhas do que
verdadeiramente queremos para todos nós.
Seria interessante se reflectíssemos um pouco sobre isto.
Sábias palavras as suas. E só tenho pena de não ter pena e intelecto para assim tão bem raciocinar.
ResponderEliminarBravo...aplaudo de pé pela escrita. Palavras belas e escorreitas. Gosto do estilo e do conteúdo. Como um belo enchido que se degusta com lassidão, e desculpem a comparação gastronómica, mas gosto de saborear as frases. Às vezes até quase que me trazem água na boca, emoções e sentimentos que se me escorrem pelas paredes das meninges. Um bom texto, apesar da minha idade, até pode me provocar alterações físicas duráveis, tal uma erecção de contentamento. Dizem iniciados que é o efeito e a força do espírito neste mundo de bestas, nem sequer comparáveis aos belos animais que polulam o nosso planeta, numa partilha fraternal mas por vezes tão mal respeitada pelos seres que Deus chamou de humanos, e que em tantas ocasiões se assemelham a miseráveis desalmados. Isto por culpa, de facto, da falta de afecto que a nação tem pela educação e cultura. Quem diz nação, diz os pais e mães de filhos ressequidos pelas "luzes" televisivas. Preferem amamentar os seus filhos com futebois, ritmos pimbalistas e revistas lux. Quantos dos nossos adolescentes já ouviu com deleite certas sinfonias com nomes maravilhosos, como a "Do novo mundo" de Dvorjak", "Romeu e Julieta" de Tchaikovsky ou a "Heróica" de Ludwig van Beethoven ?
ResponderEliminarQuantos conhecem os contos mirabolantes de Hérault, Andersen ou Grimm que ensinam mais da vida que muitos anos sentados em escolas frias e inúteis. Já não seria necessário chegarmos aos exemplos de certos países como o Japão ou a Alemanha, em que todas as crianças tem que acabar a escolaridade sabendo ler música e tocando, tão bem que mal, um instrumento musical. Em países do outro mundo existem bandos de miudos em orquestras com instrumentos reciclados. Em Portugal preferem-se os bandos de crianças em "arrastões" sazonais. Claro, dizem que estes, coitados, são filhos de famílias destruturadas e em precaridade. Os outros, os das famílias com posses e tias em capa de revista, são os que mais tarde "nos arrastam" também, mas para outros destinos e latitudes.
De facto, tem razão e talento o Luis Robalo.
Demasiado queixume e indecisão. Totalmente de acordo.
ResponderEliminarSem, dúvida:
ResponderEliminar- Seria interessante se reflectíssemos um pouco sobre isto
augusto