Ainda bem
que o senhor La Feria convidou o senhor Passos para ir ao teatro. O senhor
Passos só vai ao teatro do senhor La Feria, não gosta de mais nenhum. Não lhe
pedem o bilhete à porta e os seguranças entram sem pagar. Só nesse teatro lhe
dão um lugar na primeira fila. É o único teatro em que o autorizam a usar o
telemóvel, enquanto os actores dão o seu melhor esperando que esteja de olhos e
toda a sua atenção focada neles.
O senhor Passos
mesmo quando vai ao teatro - e só a esse - consegue falar dessa experiência
como se estivesse a fazer um discurso político. Mantêm-se fiel a si próprio e
muito interessante.
Só indo ao
teatro do senhor La Feria é que ficamos a saber que o senhor Passos já não pode
dedicar algum tempo ao canto, de que tanto gostava, porque tem de usar todas as
palavras para falar de coisas sérias, muitíssimo sérias.
É uma pena,
já que penteadinho e arranjadinho ficaria bem num coro.
As televisões
e as rádios também foram ao teatro, oferecerem uns minutos mais de visibilidade
ao Princípe. Aproveitou-se e cumpriram a cota de espaço para as manifestações
da Arte e da Cultura a que são obrigados, e mesmo que o não fossem faziam-no
com gosto.
O senhor foi
ver “O Principezinho”. Sorriu algumas vezes, entendeu tudo e divertiu-se
bastante. Quer dizer, se foi bastante não se sabe, porque ele tem sempre aquela
pose meio tristonha e formal de figura do Estado, mesmo quando está em fato de
banho na Manta Rota.
O espectáculo tem muita cor e luz, está tudo
muito bem feito, como é habito do senhor La Feria, que parece que os anos lhe
passam ao lado: mantêm o mesmo sorriso genuíno e aberto de criança.
É importante
dizer que a peça – se é assim que se diz - conta uma história, não é só
cenário. Até há quem diga que a história é mais para os adultos , coisas sérias
sobre a vida dos homens, ditas como que a brincar.
O senhor
Passos percebeu tudo, convêm insistir neste ponto.
E quando
pegou no telemóvel, afinal foi para convidar o senhor Portas para vir assistir
um dia destes, quando estiver por cá. O senhor La Feria também lhe oferece um
bilhete, e aos seguranças, e na primeiríssima fila, onde se vê e ouve melhor
.
Só ao senhor
Silva é que ninguém convida – dizem as más línguas que ele adormece e acorda
sobressaltado, a perguntar onde está – por isso é um homem triste.
A cultura
faz os efeitos da serotonina no cérebro: cria harmonia, tranquiliza, dá
felicidade. A cultura faz muita falta a um homem, se bem que ainda não esteja
provado cientificamente.
Quando a filha
do senhor Passos for grande, dificilmente quererá sair com o pai à rua: ele só
a vai querer levar ao teatro do senhor La Feria, que um pouco mais idoso mas
ainda assim com o seu sorriso genuíno e solto, o esperará pacientemente à porta
do seu teatro. Ele e o senhor de Sousa – grande declamador – e amigo de ambos.
Mas quando a
filha do senhor Passos for grande, ele já não irá ao teatro, ninguém o convida,
andará macambúzio como o senhor Silva, meio perdido algures num palacete.
Há verdades
que só se veem com os olhos do coração, mas isso é para quem o sente bater!
Sem comentários:
Enviar um comentário
Caro(a) leitor(a), o seu comentário é sempre muito bem-vindo, desde que o faça sem recorrer a insultos e/ou a ameaças. Não diga aos outros o que não gostaria que lhe dissessem. Faça comentários construtivos e merecedores de publicação. E não se esconda atrás do anonimato. Obrigado.
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.