Um relógio de pulso marca “Rabo”
É sabido que o grosso da emigração dos portugueses se fez,
por muito tempo, para o Brasil, sobretudo das aldeias do Norte, podendo ver-se
ainda hoje a famosa “casa do brasileiro”, uma
mansão que se destacava das tradicionais habitações da região e que evidenciava
o sucesso dos poucos que enriqueciam.
Na minha aldeia também foi assim, até pelo menos ao final da
década de cinquenta do século passado, quando se começaram a virar mais para
França, o novo “eldorado”, acontecendo que muitos que no Brasil não viam as
coisas melhorar, e tendo notícias de que na França é que era bom, desistiam
daquele país sul-americano e iam também tentar a sorte aqui mais perto.
O meu pai foi um dos que, em meados daquela década de
cinquenta, se tentou pelo Brasil, deixando a mulher e quatro filhos pequenos à
espera que voltasse rico e depressa, mas quando cá veio pela primeira vez já
tinha netos...
Não veio rico e tudo era estranho para ele, pelo que já não
se adaptou às pessoas e a um país e clima tão diferentes; e quando nós pensávamos que tinha lá deixado
tudo arrumado e vinha embora de vez, passados seis meses começou com uma
conversa que tinha de voltar para tratar da sua “aposentadoria”, foi mesmo e
ficou lá para sempre!
Curiosamente, nunca sentimos muito a sua falta, já que pelo
menos uma vez por mês recebíamos uma cartinha muito bonita a falar dele e a
querer saber como se desenvolvia cada um de nós; e quando um a um fomos aprendendo a ler e escrever exigia
que fôssemos nós a responder às suas cartas, em vez da mãe, corrigia os erros e
elogiava ou criticava a caligrafia, para que melhorássemos o que lhe parecia
torto.
E nunca deixava que alguém conhecido, que lá morasse próximo
dele, viajasse para a terra que não trouxesse para nós uma carga de coisas
bonitas - possível porque nesse tempo
viajavam de barco - tendo sido para mim marcante um relógio de pulso, por ser o mais velho; só que esse relógio,
longe de me fazer feliz, era motivo de chacota de toda a miudagem, certamente
por inveja de ser eu o único daquela escola a usar um tal adereço.
Mas esse relógio era mesmo muito bonito, marca “Rado”, que
só muito mais tarde vim a saber ser uma marca famosa; só que quando os meus
“amigos” viram aquilo passaram a divertir-se à grande, dizendo que o Amândio
tinha um relógio marca “rabo”... Os que estavam do meu lado diziam para não
ligar, que era só inveja deles, mas eu, que não gostava de ser bombo de
festa, fui à vila e troquei o presente
do meu pai por um vulgar despertador , percebendo muitos anos depois que a
simpatia daquele comerciante não era por mim, mas por ter feito comigo um
negócio da China...
Amândio G. Martins
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