Simone e a sede de
saber...
“Enquanto aguardava ser colocada numa escola de província,
ia gozando Paris. Tinha acabado com quase todas as relações que me aborreciam:
tias, primos, amigos de infância. Quando almoçava com os meus pais evitávamos
as discussões e tínhamos poucos assuntos de conversa; ignoravam praticamente
tudo da minha vida. O meu pai estava zangado por eu ainda não me ter colocado;
quando os amigos lhe perguntavam por mim, respondia com desgosto: “Anda na borga
lá por Paris”.
É verdade que me divertia o mais que podia; aceitava
encontros e saía com qualquer um, por assim dizer. As noites passavam-se a
vociferar contra a estupidez humana, a podridão da sociedade, a arte e a
literatura em moda. Alguém sugeriu alugarmos a Torre Eiffel para lá escrevermos,
em letras de fogo, a palavra “Merde”. Outro desejava inundar a Terra de
petróleo e chegar-lhe fogo.
Eu não me metia nestas imprecações mas gostava do fumo, do
tilintar dos copos, do rumor das vozes exaltadas, enquanto o silêncio descia
sobre Paris. Uma noite, quando o café fechou, todo o grupo se dirigiu ao Sphinx
e eu segui-o. Devido a Toulouse Lautrec e a Van Gogh, imaginava os bordéis como
lugares de alta poesia; não fiquei decepcionada. A decoração, de um mau gosto
ainda mais gritante do que o interior do Sacré-Coeur, a iluminação, as mulheres
seminuas tornavam-no bem mais interessante do que as pinturas idiotas e as
barracas de feira tão caras a Rimbaud..
Nunca me embebedava; o meu estômago não era muito forte, com
pouca coisa me punha mal-disposta. Mas não era preciso o álcool para me
embriagar; ia da surpresa à maravilha, do prazer à grande festa. Tudo me
divertia, tudo me enriquecia. Tinha tantas coisas a aprender que uma qualquer
me podia instruír.
Sartre interessava-se pela psicologia dos místicos e eu
mergulhava nas obras de Catherine Emmerich, de Santa Angèle, de Foligno. Quis
conhecer Marx e Engels e lancei-me a “O Capital”. Saí-me bastante mal; não via
diferença entre o marxismo e as filosofias a que estava habituada e, de facto,
não aprendi quase nada. Apesar disso, a teoria da mais-valia foi uma revelação
para mim, tão espantosa como o cogito cartesiano, como a crítica kantiana do
espaço e do tempo”.
Nota-Apontamento do livro anexo.
Amândio G. Martins
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