O Brasil deveria ter seguido o
exemplo de Portugal, berço de nossa História, que, mesmo sendo um País de
pequena extensão, manteve e aperfeiçoou suas ferrovias, uma das quais liga a
cidade do Porto a Paris.
Aqui, muito pelo contrário, um vasto
território, que poderia estar sendo percorrido por modernos trens de ferro
ultrapassando nossas fronteiras rumo aos portos das nações vizinhas no
Pacífico, a malha ferroviária foi praticamente liquidada e o país se tornou
refém do transporte rodoviário, com alto custo de manutenção e causador de
grande número de acidentes nas estradas saturadas de veículos.
O grande presidente Juscelino Kubitscheck,
construtor de Brasília, penitenciou-se, no final de seu governo, por ter
privilegiado o automobilismo em detrimento das ferrovias, e seus sucessores,
principalmente os do regime ditatorial militar, extinguiram vários ramais
ferroviários tidos como deficitários, ao invés de melhorá-los e mesmo
privatizá-los para continuarem servindo a sociedade. Muitos deles foram
construídos com derrame de dinheiro, lágrimas e sangue, haja vista o que ligava
a cidade de Três Ranchos, no sudeste do Estado de Goiás, a Belo Horizonte,
capital do Estado de Minas Gerais, onde foi desativada uma ponte, verdadeira
obra de arte, construída em arco—atualmente submersa em um reservatório para
fins energéticos. O que restou deste trecho ainda é usado apenas para
escoamento de minérios existentes na região, inclusive o Nióbio, a ser
embarcado na cidade Goiandira, com destino ao porto de Santos.
Em 1916, quando
os trilhos eram implantados, neste ramal, nas imediações da cidade de Catalão,
vários operários, entre os quais duas crianças, foram mortos por sicários da
chefia política local, imbuídos no propósito de vingar a morte de uma meretriz
(Sana), que teria sido assassinada por um ferroviário; mas, por trás de tudo
isto, houve o estímulo de interesses políticos do vizinho Estado de Minas
Gerais contrários à continuidade da implantação da ferrovia no Estado de Goiás.
No Estado de São Paulo, havia ferrovias de
primeiro mundo: a Santos-Jundiaí e a Companhia Paulista de Estradas de Ferro,
com seus trilhos de bitola larga. Um trem partia de Campinas e, com um pouco
mais de 01 hora, num trajeto de quase 100 quilômetros, chegava à famosa Estação
da Luz em São Paulo, com muitos passageiros segura e confortavelmente
transportados.
Em Goiânia, capital do Estado de Goiás,
foram desativados trilhos que hoje poderiam ser a base de um metrô de
superfície ligando o bairro Palmito à saída para a vizinha cidade de Trindade, que
sedia uma grande romaria religiosa em louvor ao Divino Pai Eterno, para onde o
saudoso governador Mauro Borges planejava realizar da ferrovia.
Lamentavelmente, quase tudo acabou. Resta
pouca coisa. Hoje, vê-se algo, que seria cômico, se não fosse trágico para os interesses
econômicos da nação: estações ferroviárias transformadas em museus. A de
Goiânia exibe uma locomotiva a vapor, com o falso nº 1, mas realmente é a nº
11, que trabalhava na estação de Goiandira e que foi dirigida por Orivaldo
Jorge de Araújo e Rubens Abdala, ainda adolescentes, com a presença do
maquinista Barbosinha. Algumas foram preservadas para fins turísticos, com
grande participação popular, entre elas a de Jaguariúna, Estado de São Paulo,
de onde, em feriados e fins de semana, partem trens para Campinas.
Graças à Companhia Vale do Rio Doce, há
uma ferrovia com trens diários, em ambos os sentidos, de Belo Horizonte, a
Vitória, capital do Estado do Espírito Santo, num trajeto de 664 quilômetros,
com 38 estações- cidades intermediárias, cujas populações são altamente
beneficiadas por um transporte seguro e muito barato.
A seguir, um bem elaborado poema de cordel
do articulista e também poeta Raimundo, que bem retrata uma inesquecível viagem
que fizemos na referida ferrovia, em que ele lembra a extinção de uma
importante via férrea entre Bragança e Belém, no Estado do Pará, com passagem
por Castanhal, seu torrão natal.
Autores do artigo:
Vivaldo Jorge de Araújo, ex-professor de História e Língua
Portuguesa do Lyceu de Goiânia, é escritor e procurador de justiça aposentado
do Ministério Público do Estado de Goiás, Brasil.
Raimundo Moreira do Nascimento, professor, escritor, poeta e
jornalista.
Porque recordar é viver, gostei de ver aqui "escarrapachadas" muitas cidades (algumas bem pequenas) que conheci há meio século.
ResponderEliminarO prof. Vivaldo Araújo está um bom bocado desinformado quanto à actual situação dos caminhos de ferro portugueses, que se têm degradado e importantes linhas já foram suprimidas, com o argumento de que davam prejuízo...
ResponderEliminarTirou-me o comentário da boca!
EliminarAgradeço o seu comentário. Concordo plenamente, a desativação de ramais ferroviários improdutivos foram, e ainda é, um procedimento que vem acontecendo em quase todos os países do nosso judiado planeta, é a supremacia do aspecto econômico sobre o social. Só que no Brasil esta desativação ocorreu em escala gigantesca sem nenhum critério plausível, sem justificativas, sejam elas sociais ou econômicas, sobre tudo, sem levar em consideração as dimensões continentais do pais, ocorrida principalmente durante o regime militar. Um caso emblemático é o da ferrovia Madeira- Mamoré concluída 1912, ligando a cidade Guajará-Mirim, no Estado de Rondônia (divisa com Bolívia), até a capital Porto Velho, banhada pelo Rio Madeira, um dos principais afluentes do grande Rio Amazonas. Este trajeto de 336 Km de extensão, fez parte do sonho da Bolívia em alcançar o oceano Atlântico através da interligação Madeira - Amazonas. A sua construção fez parte do acordo que em que Bolívia cedeu a região que hoje constitui o Estado brasileiro do Acre. A sua injustificável desativação causou contrariedade em toda América do Sul e até nos Estados Unidos, por ter sido a primeira grande obra de engenharia civil estadunidense fora dos EUA após o início das obras de construção do Canal do Panamá.
EliminarBom, não há comparação possível da dimensão territorial de Portugal com a imensidão do Brasil; aqui, numas escassas centenas de quilómetros, percorremos o país de uma ponta à outra. E o argumento que as receitas não cobriam as despesas, para acabar com linhas importantes para as populações do interior não colhe, porque a empresa é pública e continuou a dar prejuízo; além de que se gastaram "balúrdios" em auto-estradas cuja tráfego também não paga o seu custo, sendo o Estado obrigado por contrato a subsidiar os privados que as construíram. Entretanto, essas populações ficaram entregues a si próprias, co0m localidsades transformadas em mini-reservas de índios em vias de extinção, porque a juventude, com a democratização do ensino proporcionada pela Revolução de 1974, quanto mais instruída mais depressa foge de lá a "sete pés", à procura de novos horizontes...
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