sexta-feira, 29 de novembro de 2019


Destruír comida para manter os preços!...


“O cheiro da podridão enche o país. Queimam café como combustível de navios; queimam trigo para aquecer; atiram batatas aos rios, colocando guardas ao longo das margens para evitar que o povo faminto as vá pescar; abatem porcos, enterram-nos e deixam a putrescência penetrar a terra.

Há um crime nisso tudo, um crime que ainda não foi denunciado; há uma tristeza nisso, uma tristeza que o pranto não pode simbolizar; há um fracasso que opõe barreiras a todos os nossos sucessos. À terra fértil, às filas rectas de árvores, aos troncos vigorosos e às frutas maduras. Crianças sofrendo de pelagra, têm que morrer, porque a laranja não deve deixar de dar o seu lucro; os médicos legistas devem declarar nas certidões de óbito: “morte por inanição”, porque a comida deve apodrecer, deve ser forçada a apodrecer.

O povo vem com as redes para pescar as batatas, e os guardas impedem-no; os homens vêm nos carros barulhentos apanhar as laranjas caídas no chão, mas as laranjas estão untadas de querosene. E ficam imóveis, vendo as batatas passarem flutuando; ouvem os gritos dos porcos abatidos num fosso e cobertos de cal viva; contemplam as montanhas de laranjas, num lodaçal putrefacto. Nos olhos dos homens reflecte-se o fracasso. Nos olhos dos esfaimados cresce a ira. Na alma do povo, as vinhas da ira diluem-se e espraiam-se com ímpeto”.

Nota – Transcrito do livro anexo.


Amândio G. Martins

2 comentários:

  1. Este livro é intemporal ( isto da destruição alimentar ( talvez armazenamento...) já se fez mais recentemente) mas... datado ( à Grande Depressão). Tão datado que o Steinbeck atribui à laranja a fonte de niacina, cuja falta induz a pelagra ( agora pouco vista). Se me falasse em escorbuto por falta de vitamina C.... O mundo pula e avança...

    ResponderEliminar
  2. Sempre se jogou com açambarcamemnto e destruição de alimentos para garantir o lucro dos exploradores. E este livro foi escrito num tempo em que todas as arbitrariedades eram possíveis. A edição que eu tenho data de 1947, impresso pela Editora Dois Mundos...

    ResponderEliminar

Caro(a) leitor(a), o seu comentário é sempre muito bem-vindo, desde que o faça sem recorrer a insultos e/ou a ameaças. Não diga aos outros o que não gostaria que lhe dissessem. Faça comentários construtivos e merecedores de publicação. E não se esconda atrás do anonimato. Obrigado.

Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.