Viajava de carro, manhã cedo, para a sede do Concelho, e ouvi na rádio pedaços da entrevista que Ana Maria Caetano tinha dado a uma jornalista da casa; lembrando episódios vividos antes e após a revolução, a senhora, que era quem sempre acompanhava o pai, que era viuvo, descreveu como horrível a viagem a Londres, onde foram recebidos por manifestações e cartazes que denunciavam a carnificina que militares portugueses tinham provocado em Moçambique, classificando agora o massacre de civis indefesos como normal em qualquer guerra.
É provável que, naquela data, a filha de Marcelo Caetano não soubesse o que realmente tinha acontecido, embora o pai já estivesse informado, só que acreditou no que lhe foi dito por altas patentes da hierarquia militar a quem pediu esclarecimentos, que aquilo tinha sido uma montagem dos inimigos de Portugal, com a colaboração de missionários ao seu serviço, para comprometer o regime; mas se desconhecia naquela altura, não é hoje aceitável, com a informação disponível, que a senhora minimize um crime daquela gravidade.
Reconheceu Ana Maria que o pai não era um democrata, pelo que a sua “primavera” nunca poderia evoluír para uma democracia, mas o actual sistema também não é democracia nenhuma; e aqui concordo um bom bocado com a senhora, quando classifica de “pouca vergonha” o regime actual; de facto, se a um partido que ganha eleições com vantagem suficiente para poder governar, corresponde uma oposição cuja única função é desacreditar, um a um, cada membro do governo e a sua acção, dentro e fora do Parlamento, para o derrubar o antes possível, convocando os governantes a participar em “espectáculos” degradantes, em vez de se ocuparem a trabalhar, que para isso foram eleitos, esta “democracia” merece cada vez menos crédito, porque o julgamento do bom ou mau de quem governa deveria caber aos eleitores no fim do mandato, não a cada momento por uns quantos “trovões de pataratas” para ganhar parangonas nos jornais...
Amândio G. Martins
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