sábado, 6 de julho de 2013

Infância




E de repente cai o Biombo. Deixo o Porto para trás e chego a Melgaço. 
Toda a absurda colecção de verdades, de banalidades, de conveniências sociais cai, abruptamente, como um castelo de cartas. 
Passeio junto às muralhas , e o Mundo já não me parece uma abstracção filosófica. Abro os horizontes e fito a Montanha de frente, sem medo, como se se apossasse de mim uma força maior que eu, um Deus qualquer que deseja a minha carne e o meu corpo. 
Vindo da cidade onde o Mundo é milimetricamente medido, onde o ser adulto é uma profissão, uma máscara medonha que nos cicatriza a pele, liberto-me. Há uma criança travessa que sai de mim: cheiro as árvores, lavo as mãos num ritual pagão de iniciação, observo os Jardins que ganham vida. 
O Mundo, este Mundo rural que tendemos a ver como uma exorbitância,um ponto intermédio entre duas cidades, localizado em nenhures, agarra-me pelos colarinhos com força. É real - também eu na medida em que imagino, e não há realidade maior do que aquela que é inocentemente imaginada.
Largo o lastro de mediocridades, de lugares comuns, o fato de adulto amortalhado pela seriedade, e surjo com a pele da criança. Volto a brincar à apanhada, a subir a árvores, a buscar fruta, a beber a água das Fontes. 
Subitamente,  o Mundo é meu. Porque só as crianças tem a ingénua certeza de que mudam o Mundo.


Rui Marques 

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