Era bom que os nossos governantes, deputados e comentadores compreendessem uma coisa óbvia: a academia de futebol do Sporting só consegue excelentes resultados porque pode seleccionar os melhores praticantes a nível nacional. Porque, se fosse obrigada a receber todos os praticantes do concelho de Alcochete e a aguentá-los lá até aos juniores, os resultados não seriam os mesmos. Com efeito, por muito boas que sejam as instalações, por muito bons que sejam os treinadores, por muitos treinos que tenham, não se consegue fazer um Figo ou um Cristiano Ronaldo de um “perna-de-pau”. Sem matéria-prima não há resultados. O mesmo se passa nas nossas escolas.
As pessoas, em geral, e as nossas elites, em particular, confundem escolaridade obrigatória com a obrigação de ir à escola. São duas coisas completamente diferentes. A escolaridade obrigatória, ao contrário da obrigação de ir à escola, impõe que a escola se adapte ao tipo de alunos que recebe de forma a ser capaz de dar resposta às suas necessidades e capacidades. Na escolaridade obrigatória, não pode haver objectivos antecipadamente fixados. Os objectivos têm de ser fixados tendo em conta cada aluno em concreto, consoante as suas capacidades, aptidões, nível de conhecimentos e ritmo de aprendizagem.
Ser exigente, neste caso, não pode passar por impor uma fasquia igual para todos os alunos, por uma razão muito simples de perceber: não se pode exigir a um aluno aquilo que ele não pode dar. Se um aluno não consegue levantar os pés do chão, não se lhe pode colocar a fasquia a dois metros de altura, mesmo que seja essa a altura que os seus colegas conseguem saltar. Mas é precisamente isso que se faz nas nossas escolas. E depois admiram-se de que haja abandono escolar.
Além disso, a colocação de fasquias de conhecimento por anos de escolaridade, com base no aluno médio, tem um efeito perverso, uma vez que elimina precocemente indivíduos cujas capacidades ainda não desabrocharam completamente. É totalmente falsa a ideia de que as qualidades e as capacidades dos alunos podem ser comparadas nas mesmas idades. Ou seja, o facto de um aluno aos dez anos ser um aluno brilhante e outro da mesma idade ser um idiota não significa que, aos dezoito anos, as posições não se possam inverter completamente. Não é impossível que um aluno que só salte meio metro de altura, quando os seus colegas saltam um metro, possa vir, dentro de dois ou três anos, a saltar mais alto do que os seus colegas, se tiver o acompanhamento adequado. Agora não se pode é atirar o desgraçado para um canto da sala, porque o professor não tem tempo para lhe dedicar, uma vez que só tem duas horas de aula por semana, tem um programa a cumprir e a maioria dos alunos da turma está numa fase muito mais adiantada.
Por outro lado, as reprovações, ao contrário do que por aí se diz, para além de não resolverem o problema dos alunos com menos aptidões (que, o mais certo, se houver rigor, é reprovarem, de novo, no próximo ano), só servem para uma coisa: para desestabilizar, por completo, a turma onde irão ser integrados no ano seguinte, tornando-a ainda mais heterogénea e qualitativamente pior.
Acresce que os alunos reprovados, para além de aumentarem a sua animosidade em relação à escola, acabam inevitavelmente por liderar a turma, por força da idade, com toda a carga negativa que isso tem, quer em termos disciplinares, quer da qualidade do ensino, acabando, quase sempre, por descarregar nos mais novos as suas frustrações pelo seu insucesso. As reprovações na escolaridade obrigatória têm o mesmo efeito numa turma que as pedras num carrinho de mão: quanto maior for a carga de pedras, mais dificuldade tem o professor em andar com o carrinho.
Consequentemente, quem defende (como eu) a escolaridade obrigatória tem de defender, necessariamente, uma escola preparada para dar resposta a todos os alunos que recebe, tendo em conta as suas capacidades, aptidões, nível de conhecimentos e ritmos de aprendizagem. Tem de ser uma escola para todos: para os super, para os médios e para os mais limitados. E o sucesso desta escola tem de ser medido por aquilo que acrescenta a cada aluno em concreto e não pelos resultados dos exames em abstracto.
Novembro de 2007
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