O que lerão a seguir será quase
uma série de citações com conteúdo, mas também uma singela análise, pouco
erudita mas prenhe de preocupações que são minhas, espoletada pelo que leio no
nosso jornal e não só. Ambas relacionadas com a palavra “esperança” cujo único
habitual significado “ponho em causa” naquilo a que poderemos chamar... somente
bom sentido. Poderia também falar de duas outras aparentadas, o “heroísmo” e a
“utopia”, mormente a última, mas o texto ficaria maçador.
Começo. E começo precisamente por
quem me desencadeou a vontade de escrever: Jacinto Godinho e o seu texto “A
morte da morte” em que associa o terrorismo islâmico, ou melhor, os mártires
daquele, a uma “utopia que é também uma forma de medo... o medo de não serem
merecedores da sociedade perfeita ou do reino dos céus” (sic)”. Substituam
utopia por esperança e, direi eu, aqui está o parentesco que atribuo às duas.
E, na citação que parafraseei, também estão “duas esperanças”: a laica,
benévola e muito comum a todos nós, e a confessional, benévola ou não consoante
a religião que se liga muito à recompensa (ora mais etérea, ora mais cheia de
concupiscência) na vida eterna. Mas há ainda uma outra, fora do atrás dito e
que será mais uma “desesperança”, já que é, quase em absoluto, antitética à que
usamos comummente, e que nos conta a história de como ela nos foi enviada pelos
deuses do Olimpo sob a batuta de Zeus e através da bela Pandora e da sua jarra
cheia de castigos para com os humanos, punindo-os pelo atrevimento de Prometeu
lhe ter roubado o fogo. Dizem os textos (Luc Ferry em A Sabedoria dos Mitos,
Ed. Temas e Debates/Círculo dos Leitores) que a esperança permaneceu no fundo
do funesto recipiente transportador, tornando-se assim não uma coisa boa, mas
“uma tensão negativa, pois esperar é sentir uma falta, é desejar aquilo que não
se tem e estar, por conseguinte, de algum modo, insatisfeito e infeliz, de tal
modo que a esperança é mais um mal que um bem” (sic).
Dir-me-ão que elocubro, mas o que
me bailava na cabeça foi confirmado com leituras recentes, exemplos das várias
esperanças. Como amostra da esperança comum, nada melhor que os textos dos meus
caros amigos Vítor Colaço Santos e Maria Clotilde Moreira nas Cartas à
Directora (“A esperança está a chegar” e “Tempos de esperança”, respectivamente)
de há dias. Igualmente, o texto de opinião, também deste mês, de José Vítor
Malheiros intitulado ... “Esperança”. E bastou-me ler o Esperar contra toda a
esperança, pequeno opúsculo de José Tolentino de Mendonça (Ed. Universidade
Católica), para o tomar como exemplo da esperança católica que se dirige para o
além (curioso o título escolhido pelo autor, que mostra bem a inteligência
subtil do padre/poeta, ao quase dizer que ao humano vivo só lhe resta morrer
para alcançar a dita, pois, até lá, chama-lhe caridade...). E fica-me sempre na
mente a (des)esperança mítica que permaneceu no fundo da caixa de Pandora para
nos angustiar sem o sabermos, pois até nos socorremos dela para nos
“esperançar”...
Fica para o fim o meu desprezo pela utopia/esperança dos
mártires terroristas a que Jacinto
Godinho chama medo e eu apelido de nem sei bem o quê! Termino mesmo com a bem
singela citação (mais uma) de Isabel Leal, psicóloga: “Estamos sempre em
vésperas de futuro e desenvolveremos com ele uma relação a que chamaremos de
esperança.” Como homem da modernidade, mortal como todos e racional, talvez
seja a designação que mais aprecio.
Fernando Cardoso Rodrigues
Médico Pediatra
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