UM
HOMEM RARO
Ouvi-o vezes
sem conta, em longos discursos; escutei-o nas mais diversas entrevistas. Sempre
que me preparei para conversar com ele tive a sensação de que iria saír
derrotado do diálogo.
Da última vez
iniciei a conversa perguntando-lhe se, perante o “descalabro”, ainda haveria
razões para ser comunista. Que estupidez!
Como é que se admite perguntar a um homem que entrou já nos oitenta anos
se a sua razão de vida tinha sido uma inutilidade…
Álvaro Cunhal
é um personagem verdadeiramente fascinante, mesmo para quem não seja comunista.
Dele escreveu Mário Soares: “Simpatize-se ou não com as suas ideias, ninguém
pode deixar de lhe reconhecer coerência, excepcional coragem, pertinácia e
inteligência invulgares; uma personalidade ímpar, sob todos os aspectos, olhar
penetrante e iluminado, uma indomável força interior ao serviço de uma mística”.
(in Portugal Amordaçado).
É claro que
há na vida escondida de Álvaro Cunhal muito de mítico, apesar das “paredes de
vidro” que separam os dois mundos – o dos comunistas e o dos outros. Mas
importa pouco falar das suas origens burguesas, da sua clandestinidade, das
suas prisões, dos desenhos neo-realistas, do “Até amanhã, camaradas!” – livro
publicado sob pseudónimo – dos dogmas, da estratégia e da táctica.
Gostaria de
dizer, contudo, que sinto já a falta de Álvaro Cunhal. E não serei caso único.
Não só porque vai abandonar as lides, mas porque, desde muito novo, foi em
minha casa uma referência essencial em conversas em voz baixa. E serão vários
aqueles que, colocados até no centro da luta política, irão sentir a nostalgia de não terem
um adversário à altura.
Sinto hoje
que Álvaro Cunhal conseguiu o respeito de alguns milhões, muitos dos quais não
hesitaram em usar contra ele todos os métodos. Para mim, muitos dos textos que de Álvaro Cunhal li não
consentem outra ideia que não seja a de que estamos perante um homem raro.
“Filho
adoptivo do proletariado”, como gostava de se definir, Álvaro Cunhal inicia
agora a saída da fotografia. E não sejamos néscios, começa a entrar na
História… Ou na lenda?
NOTA – Texto
escrito por José Saraiva, há muito falecido. Foi jornalista, director do JN e
deputado do PS na Assembleia da República. Este texto foi publicado no JN
quando Álvaro Cunhal se preparava para saír de cena como líder político.
Transcrito
por Amândio G. Martins
Gandi, Guevara,Cristo, foram assassinados.Mandela e Cunhal foram apodados de terroristas e encarcerados. Mas tiveram e têm milhões a segui-los. São assim os faróis da humanidade. Os homens grandes. Depois há os pequeninos. Os que os maltratam. Os que lhes atiram lama . Como aqui numa transcrição, neste blogue, em que Álvaro Cunhal é apodado de demagogo, autoritário e narcisista. E mais: " Por concordâncias ideológicas, e também por dinheiro, o PCP e o seu dirigente máximo Álvaro Cunhal..."Portanto, desce-se à ignomínia de classificar um homem daquela estatura moral reconhecida por amigos, inimigos e adversários, de vendido.
ResponderEliminarComo dizia Anatole France, insigne figura da cultura francesa, " o néscio é muito mais funesto que o malvado; é que o malvado descansa às vezes, o néscio não descansa jamais!
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