Sofia e o Mestre...
... -Mas a dialéctica de Hegel não se aplicava apenas à
história. Mesmo quando discutimos pensamos dialecticamente. Tentamos detectar
os erros de uma forma de pensar. Mas quando tivermos descoberto os erros de uma
forma de pensar conservamos ainda o que estava correcto nela.
Quando um socialista e um conservador se reunem para
resolver um problema social, será logo patente uma tensão entre ambas as
maneiras de pensar. Mas isso não quer dizer que um tem toda a razão e o outro
está completamente errado. É perfeitamente pensável que ambos estejam
parcialmente certos e parcialmente errados. No decurso da discussão
conservar-se-ão, se eles são inteligentes, os melhores argumentos de ambos os
lados.
Se estamos no meio de uma discussão destas, infelizmente nem
sempre é fácil verificar o que é mais racional. No fundo, é a história que tem
de mostrar o que é verdadeiro e o que é falso. O que é racional é real, segundo
Hegel.
Há cento e cinquenta anos muitos lutavam pela igualdade de
direitos para as mulheres. E muitos lutavam encarniçadamente contra a
igualdade. Se hoje examinarmos os argumentos de ambos os lados, não é difícil
reconhecer quais eram os mais racionais.Mas não podemos esquecer que
posteriormente sabemos sempre mais. Provou-se que aqueles que lutaram pela
igualdade de direitos tinham razão. Muitas pessoas teriam certamente vergonha
se tivessem de ler o que o seu avô disse
acerca deste tema.
Vejamos o que Hegel achava: “A diferença entre homem e
mulher é a mesma que entre o animal e a planta. O animal corresponde mais ao
carácter do homem, a planta mais ao da mulher, pois o seu desenvolvimento é
mais tranquilo, e o princípio que lhe está subjacente é sobretudo a unidade
indeterminada do sentimento. Se as mulheres estão no topo do poder, o governo
está em perigo, porque elas não agem de acordo com as exigências da
universalidade, mas de acordo com uma inclinação e opinião arbitrárias. A
formação das mulheres dá-se, por assim dizer, na atmosfera da imaginação, mais
através da vida do que da aquisição de conhecimentos. Enquanto o homem atinge o
seu lugar apenas através da aquisição das ideias e de muito empenho técnico”.
“Já chega – diz Sofia – prefiro não ouvir mais citações
dessas”. – Mas a citação é um exemplo brilhante de que a nossa noção do que é
“racional” se altera constantemente – diz o mestre. –Mostra também que Hegel
era um filho do seu tempo. Muito do que nos parece hoje evidente não passará o
teste da história...
Nota – transcrito do livro anexo
Amândio G. Martins
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