sábado, 8 de junho de 2019

Críticas

 
Há muito tempo que me interrogo sobre a legitimidade das críticas na opinião pública. Que devem ter limites, ninguém o contesta, penso eu. Mas, afinal, quais são esses limites? Penso mesmo que ninguém conseguirá dar resposta concludente, sobretudo em determinados casos concretos. O que, para uns, é um remoque, para outros, é um insulto, e, vai-se a ver, na maior parte dos casos, o que “empurra” o sujeito para certa conclusão é apenas o seu interesse próprio, pessoalíssimo.
Este tipo de interrogações que coloco a mim próprio leva-me a ler com muito interesse Teixeira da Mota, advogado do jornal Público, que, nas suas crónicas das sextas-feiras, muito me tem ensinado a interpretar e compreender inúmeras decisões do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, especialmente no domínio da liberdade de expressão.
Permito-me fazer duas citações do seu artigo de ontem no Público:
  1. “Numa sociedade democrática como a nossa, as figuras públicas têm de aceitar as críticas no domínio da opinião política, social e cultural. E essas opiniões críticas, numa sociedade democrática, não precisam de ser ponderadas, bem-educadas ou de bom gosto para serem legítimas. Podem ser violentas, mal-educadas, contundentes e até profundamente injustas”.
  2. “Os políticos e os comentadores devem poder exprimir com a maior liberdade as suas opiniões, por mais radicais que sejam, assim se garantindo o livre funcionamento de uma sociedade democrática”.
Resta-me deixar aqui uma pergunta retórica: o que são figuras públicas e comentadores?
Quanto às primeiras, não são só o Ronaldo e o Messi, o Marcelo e o Cavaco, o Berardo e o Salgado, o Salvador Sobral e o Conan Osiris, são todos os que dão a cara nas plataformas públicas, como os jornais, as TV’s e as redes sociais, incluindo os blogues.
Quanto aos segundos, não são só o Marques Mendes e o Portas, o Rangel e o Assis, o Rui Santos e o Miguel Guedes, são todos os que têm acesso às mencionadas plataformas, com ou sem qualidades argumentativas.
Acho eu.

3 comentários:

  1. Então “ vale tudo” em nome da liberdade de expressão?
    Não posso concordar- digo eu !
    E recorro, mais uma vez, ao paradoxo da tolerância de Popper :


    “ A tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos a tolerância ilimitada, mesmo para aqueles que são intolerantes, e se não estamos preparados para defender uma sociedade tolerante contra o ataque dos intolerantes, então os tolerantes serão destruídos e tolerância com eles. - Esta formulação, não implica que devemos sempre suprimir as filosofias intolerantes, contanto que possamos combatê-las por argumentos racionais e mantê-las sob controle pela opinião pública.

    Mas devemos reivindicar o direito de suprimi-las, se necessário até mesmo pela força, e isso pode facilmente acontecer se elas não estiverem preparadas em debater no nível de argumentação racional, ao começar por criticar todos os argumentos e proibindo seus seguidores de ouvir argumentos racionais, devido ela ser uma filosofia enganosa, ensinando-os a responder a argumentos com uso de punhos ou pistolas.

    Devemos, portanto, reivindicar, em nome da tolerância, o direito de não tolerar os intolerantes. Devemos enfatizar que qualquer movimento que pregue a intolerância deva ser colocado fora da lei, e devemos considerar a incitação à intolerância e perseguição devido a ela, como criminal, da mesma forma como devemos considerar a incitação ao assassinato, ou sequestro , ou para a revitalização do comércio de escravos como criminoso”

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    1. Começo por lhe agradecer o contraponto, que, certamente, nos vai ser muito útil.
      “Vale tudo”? Obviamente, não. Como escrevi, logo no segundo período do meu texto, as críticas “devem ter limites”. O grande problema é conseguir defini-los com precisão.
      A sua oportuníssima (?) citação de Popper leva-me a considerar que os nossos cenários são diferentes. O meu restringe-se à normalidade democrática em que, felizmente, vivemos, não o de um ambiente em que se suscitam medidas de excepção, como em tempo de guerra, chegando mesmo a banalizar os punhos e pistolas, o assassinato, o sequestro, o comércio de escravos. Valha-nos Santa Engrácia, apenas falei do direito à crítica nas plataformas públicas, especificando jornais, TV’s e redes sociais, incluindo os blogues.
      Ademais, a vulgarizarmos o paradoxo - hélas! paradoxo... - podemos estar a abrir as portas a tendências censoriais. Aqui, não tenho dúvidas, prefiro sempre a liberdade de expressão à Censura. Tem perigos? É evidente que sim, mas o que é necessário é que tenhamos argumentos racionais para combater a irracionalidade. Não é verdade que qualquer um de nós pode comprar, hoje, em liberdade, o Mein Kampf?
      O texto de que se socorreu versa o tema importantíssimo da tolerância. De facto, ele toca, aqui ou ali, naquele que eu abordei, a liberdade de expressão em órgãos de comunicação. Mas não são, claramente, temas coincidentes, quanto mais não seja na abrangência. Talvez um deles abarque o outro, mas tem de haver diferenças no tratamento, coisa que Popper, pelo menos no extracto que nos ofereceu, não fez. Nem tinha de fazer, acrescento eu. É capaz de ir mais no sentido de “nenhuma liberdade para os inimigos da liberdade”, que eu, em certas condições, posso aceitar, mas num contexto completamente diferente daquele em que o artigo de Teixeira da Mota se situa.
      Devemos reivindicar o direito de não tolerar os intolerantes? Ciente de que me deixei “arrastar” para a questão da tolerância, mais vasta do que a que eu tratei, deixe-me dizer que, aí, existe sempre um perigo enorme, que é o de saber quem e como se decreta que este ou aquele é intolerante. Já vimos erros suficientes no passado, não esqueçamos.
      Mas desçamos à terra, isto é, ao artigo de Teixeira da Mota, que, estou certo, não deixou de ler. Se Berardo e Neto de Moura exercerem o seu legítimo direito de processarem quem os criticou, levando os eventuais recursos às últimas instâncias (no caso, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos) têm grande probabilidade de ver gorados os seus esforços, com a agravante de, caso ganhem algum desses processos intermédios em terra nacional, isso vir a constituir “uma mancha na nossa democracia”.
      Falando de veículos de comunicação públicos, continuo a pensar que (parafraseando ocasionalmente, e mais uma vez, Teixeira da Mota), “quem não quer ser lobo, não lhe veste a pele”. Quer dizer, se vimos aqui ao blogue expor opiniões, devemos estar cientes de que nos estamos a colocar na posição de ser criticados. Como eu, que escrevi este “post”, e me arrisquei a levar com o veemente “não posso concordar” da Lúcia que, ainda por cima, me arremessou com toda a força com o Popper. Mas ainda bem, porque me deu a possibilidade de afirmar várias coisas, e ainda mais esta: penso que as sociedades devem ser tolerantes, mas não indefesas.

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  2. O texto do José e o comentário da Lúcia, dão "pano para mangas" de discusssão. Se o que escreveu o Dr. Teixeira da Mota me parece excessivo pela liberdade que "dá" a todo o tipo de forma com que a crítica se exprime ( e aqui a Lúcia terá razão), também me pareceu que o que o José perseguiu é nobre nos intuitos. Além disso, também me pareceu que os dois falavam de gente diferente. O José "democratizou" os intervenientes e os campos de confrontação e a Lúcia estaria a pensar "alto", num plano ideológico e político/social, em quem Popper pensou também. O José pensaria nos comentadores e políticos, mas ainda em gente "banal" e, dentro destes, nos "burros" ( e aqui. meu caro José,não há democracia que surta efeito)). A Lúcia elevou a fasquia. Assim, "sobre o joelho", foi o que entendi, mas a conversa foi interessante.

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