Em homenagem a Luís Vaz de Camões, o maior vulto da literatura lusitana,
comemorando o quarto centenário de seu falecimento, a Assembleia Nacional de
Portugal consagrou, em 1980, 10 de junho como dia da Língua Portuguesa no País.
Nada mais justo e
significativo o marco dessa lembrança histórica, sobretudo porque este grande
astro das letras, já no crepúsculo da existência, quando o glorioso reino
português caía sob domínio da Espanha de Filipe II, escreveu a um amigo: “Fui
tão afeiçoado à minha pátria que não só me contentei em morrer nela, mas com
ela”.
Era Camões se despedindo de uma vida turbulenta e tão cheia de
grandes amores, em todas as raças, entre os quais, a negra Bárbara, a branca
Natércia—um arranjo anagramático do prenome de sua grande paixão, Catarina de
Ataíde—, e também a amarela chinesinha
apelidada Dinamene, que teria morrido no naufrágio, em que manuscritos de “Os
Lusíadas” foram salvos a nado pelo poeta, que não pôde salvá-la, mas a imortalizou,
dedicando-lhe o famoso soneto, cuja quadra inicial diz:
Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida, descontente,
Repousa lá no Céu eternamente,
E
viva eu cá na terra sempre triste
Vê-se, no primeiro verso, um aparente
cacófato; aliás, muito
oportuno (ah, maminha), para lembrar o virginal seio da princesinha oriental,
onde pulsava um coração tão cheio de vida.
Segundo o grande escritor brasileiro Coelho
Neto, “Portugal e Brasil são duas capas de um mesmo livro, unidas pelo verde
oceano, contendo o mesmo poema, que é a bíblia vernácula dos dois povos — e
esse poema não é outro senão os “Lusíadas”—, proclamado por Fidelino de Figueiredo
como o hino triunfal da Renascença.
E assim, a epopeia
realmente cosmopolita de Camões, retratando, em particular, a intrépida façanha
da nação portuguesa, desbravando os mares, irmana-se com a bravura da gente
brasileira narrada pelos seus grandes poetas, através deste mesmo idioma, a
querida Língua Portuguesa, tão bela, culta e difícil de ser estudada, cuja
comemoração no Brasil se dá em 05 de novembro, dia do natalício do seu grande
cultor, o jurista Rui Barbosa, que, certa feita, defendendo-a contra os que
pretendiam transformá-la num simples e licencioso dialeto brasileiro, disse:
“seria um surrão amplo,onde cabem à larga, para sossego dos que não sabem a sua
língua, todas as escórias da preguiça, da ignorância e do mau gosto”.
São duas nacionalidades
que se unem pelas raízes históricas e pela mesma língua com as respectivas
manifestações literárias, cada uma espelhando a profunda essência da realidade
humana, porque a literatura “é a alma de uma nação em prosa e em verso”, na
feliz definição do autor José Marques da Cruz, sempre citado nos criteriosos
estudos do saudoso professor Hermenegildo Marques Veloso. Este era natural da
bela cidade litorânea portuguesa Figueira da Foz e jovem ainda veio para o
Brasil, radicando-se na cidade de Araguari, Estado de Minas Gerais, onde se
tornou célebre pelo ensino da Língua Portuguesa em vários educandários,
sobretudo no colégio Regina Pacis dirigido pelos padres holandeses da Congregação
do Sagrado Coração de Jesus.
Sua atividade não se restringia apenas em
ministrar aulas, mas também em dirigir reuniões de grêmio literário, onde se
praticava a oratória. Tive a honra de ser um de seus milhares de alunos, entre
os quais destaca-se o já falecido desembargador José Soares de Castro (Prof.
Zuza), que também se dedicou ao magistério da Língua Portuguesa, e o ilustre
médico, professor universitário, filósofo cristão espiritualista, Delfino da
Costa Machado, em cujas magistrais palestras, afirma que não existe morte, mas
apenas volta para a casa donde viemos, porque, segundo Jesus, no reino do pai
celeste existem muitas moradas (João XIV, 1-3).
Na referida cidade
de Araguari há um grande educandário, cujo nome homenageia o ilustre benfeitor
cultural da cidade: o CENTRO EDUCACIONAL MUNICIPAL – CEM – PROF. HERMENEGILDO
MARQUES VELOSO.
Como poeta, deixou
um livro de belas poesias intitulado “DEVANEIOS”, escrito na época dos sonhos
da juventude, quando, conforme ele mesmo diz, “ainda não experimentava as
cruciantes insônias da vida e se dava ao luxo de poder sonhar”. Eis uma estrofe de seu nostálgico poema
“PRÓDIGO FILHO” e outros versos do poema “RECORDAÇÃO”:
Ó montes, vales, águas e céu,
Amigos, família – Portugal meu,
Ó pátria amada,
Saudosa, idolatrada,
De ti teu filho fugiu
Por mares e terras que nunca viu.
Tuas carícias trocou, tua beleza,
Pela grandeza, pela riqueza
De outra gente a ti estranha,
Menor que tu em glória e fama!
Que saudades que eu tenho
Das terras de onde venho,
Dos dias lá passados,
Momentos lá gozados.
E os olhos meus
Chorando vão
As lágrimas do adeus
Que, por vós, terras queridas,
Choradas são.
Este artigo
foi publicado no jornal Diário da Manhã (DM), de Goiânia- Goiás-Brasil, na
edição do dia 05/06/2019, no caderno Opinião Pública, página 21. Site do jornal:
www.dm.com.br
Vivaldo Jorge de Araújo,
ex-professor de História e Língua Portuguesa do Lyceu de Goiânia, é escritor e
procurador de justiça aposentado do Ministério Público do Estado de Goiás,
Brasil.
Poderá parecer "mesquinho" que, sob um texto tão erudito, eu venha referir o facto, mas, ´precisamente por o Professor Vivaldo Jorge Araújo o merece, aqui venho com uma rectificação. Na segunda linha, o autor escreve Asssembleia Nacional de Portugal quando deveria ter escrito Assembleia da República de Portugal. A primeira designação é do tempo do Estado Novo e entretanto deu-se o "25 de Abril" e este foi uma ruptura ( e que ruptura!) e não uma continuidade. Daí entender que uma simples palavra faz toda a diferença, no caso vertente.
ResponderEliminarÉ comovente para um português ler o que diz um brasileiro do grande Camões, mas a interpretação que dá ao verso e quem terá sido a musa do célebre soneto parece-me risível; de facto, há documentação suficiente para crer que o grande poeta o escreveu para o grande amor da sua vida, - um amor proibido - D. Caterina de Ataíde, quando do amigo Conde de Vimioso recebeu, em Macau, a notícia da sua morte. Dizia a carta: "Ouvi que, na sua derradeira agonia,confessara o amor puríssimo que sempre vos tivera, dizendo o vosso nome no último suspiro".
ResponderEliminarCARO GÓRGIAS
ResponderEliminarAgradeço o seu comentário e respeito sua opinião, embora não concorde com ela. Sou daqueles que segue o iluminista Voltaire: “Não concordo com o que dizes, mas defendo até a morte o direito de o dizeres”. O assunto é polêmico, como tudo que se diz a respeito ao Camões. Tenho comigo, pela minha formação Jurídica, que a boa regra é seguir a corrente majoritária, sendo esta, a que prevalece no Brasil. A minha convicção sobre o assunto também nasceu da convivência que tive como aluno do saudoso professor Hermenegildo, português nascido na graciosa cidade de Figueira da foz, radicado no Brasil, que dedicou parte de sua vida, estudando os grandes vultos da língua portuguesa, principalmente Camões. Este professor, que foi citado no corpo do texto, é autor de livros de suas experiências e de poemas de primeiríssima grandeza.
NO COMENTÁRIO ACIMA: ONDE ESTÁ ESCRITO SEGUE, COLOQUE SEGUEM.
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