Imagine uma corrida entre um
burro e um carro de Fórmula 1 numa pista de alta velocidade. Quem acha que
ganhava a corrida? Se pensar um pouco, chega facilmente à única resposta
correcta: depende do condutor. Sendo certo que a maioria dos portugueses
conseguiam chegar ao fim montados no burro mas não conseguiam sequer arrancar
com o carro de Fórmula 1.
Ora, as nossas
repartições públicas, tribunais, escolas, empresas, etc. estão cheias de gente
que só tem formação e capacidade para andar de burro pelo que não é prudente
pôr-lhe nas mãos um carro de Fórmula 1. Para além de o serviço não ficar mais
célere, ainda se arriscavam a causar graves acidentes.
Se queremos
empresas competitivas, uma justiça célere e justa, serviços públicos eficientes,
uma escola competente e exigente e partidos que não promovam nem premeiem o
chico-espertismo, ou seja, se queremos dotar a sociedade portuguesa de
verdadeiros "Fórmula 1" para competir ao mais alto nível, comecemos,
então, pela selecção e pela formação dos condutores, antes de lhe pormos o
carro nas mãos.
O problema das profissões
judiciárias é o problema do país. Em qualquer lado admite-se qualquer pessoa
sem avaliar o seu grau de competência. E como o que conta é o canudo e não os
conhecimentos que o canudo deveria atestar, as universidades são pressionadas
para vender canudos, em vez de conhecimentos. E o canudo torna-se, assim, no
salvo-conduto que os incompetentes exibem para aceder a qualquer profissão sem
prestar provas. A advocacia está cheia de gente que confunde uma petição
inicial com um romance de José Saramago.
O acesso a qualquer profissão,
designadamente à advocacia e às magistraturas, devia assentar em provas
exigentes, sem haver preocupação de saber de onde veio o candidato, nem de quem
é filho. Se a universidade dele é melhor do que a dos outros, ver-se-à pelo
resultado da prova.
E, após o ingresso na profissão,
devia haver avaliações periódicas rigorosas. Basta, aliás, agarrar num processo
e folheá-lo para saltar aos olhos a qualidade dos advogados, juízes e
funcionários que intervieram no processo. Sendo certo que há muitas pessoas que
têm as competências mínimas exigíveis para desempenhar uma profissão, mas
faltam-lhe as qualidades indispensáveis para o seu exercício, o que só se consegue
aferir na avaliação do desempenho.
Nas magistraturas, então, isto é
evidente. Enquanto na advocacia se constata sobretudo falta de conhecimentos de
base, nas magistraturas, porque têm exames mais rigorosos de acesso,
verifica-se sobretudo a falta de qualidades específicas de muitos magistrados
para o exercício da profissão: uns são incapazes de decidir; outros julgam-se
Deus na terra; outros são incapazes de avaliar a prova com um mínimo de
sensatez e razoabilidade; outros julgam-se legisladores; e outros assumem-se
literalmente como verdadeiros funcionários públicos, no sentido mais pejorativo
do termo.
Mas o problema não é a idade,
nem a experiência, nem o CEJ. Há juízes muito novos que são muito bons e juízes
que chegam à magistratura cheios de experiência e cheios de vícios. O princípio
deve ser sempre a exigência: exigência no acesso à profissão e exigência na
avaliação do exercício. Se se agir deste modo, até as universidades privadas
passarão a vender qualidade e conhecimentos, em vez de canudos e notas altas.
Não se pode pretender levar a
cabo uma reforma estrutural na Educação e na Justiça sem antes, por um lado,
retirar do sistema todos aqueles (e são bastantes) que não possuem as aptidões
mínimas para o exercício das suas profissões e, por outro, sem dar a formação
complementar àqueles que apresentem lacunas passíveis de ser corrigidas.
Não vale a pena pensar em
reformas estruturais, se não se tiver a coragem de fazer esta selecção. Ninguém
duvide: com maus professores, maus funcionários, maus advogados e maus juízes
todas as leis e todos os programas são maus.
Santana-Maia Leonardo
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