O povo desapareceu. As cidades e as vilas estão mais vazias,
e não faltam lugares para estacionamento de veículos. Pergunto o que é feito dos
vizinhos, do povo em geral, e recebo como resposta de um infeliz que por cá
ficou, de que as pessoas foram de férias. Mas foram para onde se ao que ouço
não há ninguém com dinheiro para sair à rua e tais luxos? Replicam-me que
quando é chegada a hora para romper com rotinas, o dinheiro aparece como por
encanto. Uns amealharam uns patacos, outros recorrem à banca, e endividam-se. E
serão férias, estas preocupações, e as que se levantam, de ter que preparar e
carregar a tralha necessária para o dia-a-dia no lugar de destino escolhido para
as passar, levar na mala e no tejadilho do carro, bicicleta, prancha, e
carrinho de bebés, se for o caso de os haver, encher malas de roupa que
regressarão para serem lavadas, com mais uma ou outra peça que entretanto por
lá foi adquirida em saldo, e já no destino desejado, desmontar tudo, organizar
no mínimo a tralha nas instalações que se vão ocupar, este fica aqui, aquele
ali, e quem vai ajudar a despejar o carro, eu não que estou cansado, vai tu que
dormiste toda a viagem, vamos é beber qualquer coisa fresca ali mesmo naquela
esplanada, que parece em conta, e ainda temos que ir ao mercado para fazer umas
compras para o jantar. Vai tu mulher, que eu fico a arrumar e a dar um pouco de
ordem à tralha trazida, e que há de ir de volta. Reparo agora que não veio isto
e mais aquilo, ai os óculos e os auscultadores, e que é preciso ir ao grande mercado buscar.
Se não for eu mais ninguém se lembra. Quando a mulher vier já vai ouvir. Temos
que comprar um guarda-sol, que este afinal está roto e carunchoso. Os chinelos
ainda dão para ir e vir da praia. Os calções compro aí numa feira ou ao cigano,
que os há bonitos e contrafeitos de marca a dar nas vistas, que os meus estão
gastos O bronzeador para já não faz falta e a mulher sempre tem no seu saco cabe-tudo, algum resto de outro. Preciso
de guardar o carro e uma sombra vinha a calhar, mas em sítio que por cima não
sobrevoe a passarada, que o deixa irreconhecível ao fim de alguns dias. Depois
tenho que o lavar e é mais um custo a pagar. Bom. A mulher já chegou das
compras orçamentadas, eu já dispus as coisas mais ou menos dentro do espaço
arrendado, e vou descansar um bocado que bem preciso, que a viagem foi
cansativa. Amanhã, logo cedo, vamos até ao areal, ver o mar, e tomar uma
banhoca se ele deixar. Talvez no programa ainda haja um momento para visitar a
terra aonde assentamos barraca. Logo se verá. Temos que aproveitar, pois já
passaram dois dias, dos quinze disponibilizados para o efeito. Montado o
bivaque na praia, em espaço que nos pareceu o melhor ou que sobrava, vou ali ao
quiosque e compro o jornal da bola. Queres alguma revista para ti? Não, prefiro
um gelado e aproveita traz uma garrafa de água. Eu para o bebé tenho o
habitual. Amanhã, temos que ir ao mercado de peixe e da fruta, bem cedo,
comprar umas coisas para o almoço, e encher o frigorífico com produtos
necessários para as refeições. A garrafa de gás parece que vai dar só para dois
dias, embora ele seja misto. Veremos para quanto dará, considerando as tomas de
banho após fim de praia com a areia colada ao corpo, e lavar as toalhas e uma
ou outra peça de roupa. Vou sair e volto já que vou encher o pneu da bicicleta,
que afinal esvaziou. O jornal não li todo, mas guardo-o para melhor ocasião e
no sofá de casa. Tens aqui umas revistas que os inquilinos anteriores deixaram,
se quiseres dar uma vista d´olhos. Os baldes de lixo estão cheios, e enquanto fazes
o jantar vou lá fora despejá-los no contentor público. Hoje temos que voltar ao
super mercado, que fica aqui a 6 km, mas trazemos o que nos faz falta para o
resto dos dias. Papel higiénico, fraldas, guardanapos, água, ovos, carne,
sumos, e alguma coisa mais que esteja em promoção, e ainda bronzeador que o que
trouxemos já acabou. O peixe, há no mercado bem fresco e eu gosto de ir até lá.
Tu se quiseres ir indo mais o miúdo, vai, mas toma cuidado. Hoje é dia de
recarregar tudo de novo, que é o último. Vamos regressar a horas que não
coincidam com o maior trânsito. Quando chegarmos a nossa casa, à terra aonde
vivemos o ano todo, a primeira coisa que farei é deitar-me a descansar. Tu
descarrega o carro como puderes e arruma como for tua vontade. Eu depois tenho
a lida doméstica, fazer alguma coisa para se comer, tratar do bebé, lavar a
loiça, passar a ferro, e ficar a pensar naquilo que me disseste e não me
agradou, sobre os gastos a mais que fizemos, e que mais valia ter ficado por
cá. Eu vou-te dizer que nestas condições, também não quero partir para lado
nenhum. Eu descanso mais se ficar aqui na minha casinha. Férias cansativas e
perturbadas pelos poucos tostões de que dispomos, e pelas dívidas contraídas no
banco para o empréstimo para pagar o alojamento e o aluguer do carro, deixam-me
de rastos e apreensiva. Agora como os vamos pagar? Não olhes para mim com essa
cara, tá bem?
*-(publicado um excerto, hoje na revista "SÁBADO")